António Pais Martins, diretor de Serviço da Medicina Intensiva do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e presidente da secção de medicina intensiva da Sociedade Portuguesa de Anesteseologia, alertou que “a indicação para intubação traqueal e conexão a prótese ventilatória deve ser muito ponderada”.
O médico referia-se à colocação de tubos nas vias respiratórias dos pacientes, ligados a uma máquina para bombear o ar.
Isto porque “as lesões associadas à ventilação mecânica são inúmeras e condicionam elevada morbilidade e mortalidade”, afirmou o médico anestesista à Lusa.
Segundo o especialista, a falta de ar caracterizada pela dificuldade em respirar e respirar de forma rápida e curta, isoladamente, não é motivo para “intubação traqueal e conexão a prótese ventilatória”, sendo “essencial a avaliação clínica e laboratorial frequente”.
António Pais Martins sublinhou que “a ventilação mecânica, por si só, não resulta na cura do pulmão doente” e que “o melhor método para evitar as lesões associadas à ventilação mecânica é evitar a intubação traqueal, a menos que esta se revele estritamente necessária”.
Por isso, “a opinião generalizada de que a aquisição de ventiladores é um passo decisivo e fundamental no tratamento dos doentes com covid-19, encerra em sim mesmo insuficiência de informação”, afirmou.
“A ventilação mecânica, principalmente quando mal utilizada, não só não melhora a doença base como agrava a lesão pulmonar, podendo levar inclusivamente à morte”, acrescentou.
O ventilador é um “dispositivo médico extremamente importante” no tratamento dos doentes com insuficiência respiratória grave com evolução para exaustão respiratória, ou com disfunção múltipla de órgãos, reconheceu o diretor do serviço de medicina intensiva hospitalar.
Contudo, salientou que o seu uso deve estar reservado para os casos em que todos os métodos não invasivos de administração de oxigénio tenham falhado.
Esses métodos são os que recorrem à administração de oxigénio por óculos nasais (tubos que administram oxigénio pelo nariz), através de máscaras faciais ou por sistemas de alto fluxo, que “devem ser sempre equacionados como passo importantíssimo no tratamento destes doentes”.
Outro aspeto “tão ou mais importante” do que o tipo de ventilador – existem variadíssimos tipos e modelos – é o seu manejo por especialistas com formação adequada.
“É fundamental que o médico responsável pelo doente tenha um vasto conhecimento sobre fisiologia respiratória e mecânica pulmonar em particular e as repercussões sistémicas da ventilação mecânica”, afirmou, salientando que o doente crítico com ventilação mecânica invasiva, internado nos cuidados intensivos requer, “além de uma equipa médica dedicada, um vasto conjunto de profissionais experientes com enfermeiros, assistentes operacionais e fisioterapeutas”.
Esta é uma ideia que já tinha sido defendida por José Artur Paiva, diretor do serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, e membro da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a covid-19, durante uma conferência ‘online’ organizada no final da semana passada pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e a Sociedad Española de Directivos de la Salud.
Na altura, o médico defendeu que a prioridade no combate à covid-19 deve ser dada ao reforço dos profissionais de saúde, o que passa por acelerar a formação de médicos intensivistas e aumentar os recursos na área da enfermagem.
José Artur Paiva, que é também presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, afirmou que a questão dos recursos humanos é “fundamental” e confessou que se sente “triste quando vê a preocupação centrada nos ventiladores”. Segundo dados divulgados em 02 de maio pelo Ministério da Saúde, Portugal tinha 1.814 ventiladores.
Questionado se poderá estar a haver um recurso excessivo a intubação traqueal e ventilação mecânica em Portugal, António Pais Martins afirmou não existir evidência científica para suportar ou negar tal afirmação, mas considerou que é “criteriosamente utilizada” nos hospitais.
“A escalada de suporte ventilatório deve ser analisada em equipa e ponderada caso a caso. Existem ‘guidelines’ claras para a intubação traqueal e para a ventilação mecânica”, frisou.
Ainda sobre a forma como em Portugal se tem desenvolvido o combate à covid-19, António Pais Martins reconheceu a capacidade de gerir a pandemia e o número de doentes admitidos nas Unidades de Cuidados Intensivos, mas alertou para uma “segunda onda” que virá e que irá pôr o país à prova, “uma vez que todos os indicadores apontam para que o número de doentes infetados cresça substancialmente”.
Também José Artur Paiva alertara, na conferência, que “a covid-19 vai ser endémica ao longo do tempo”, até porque o sucesso das medidas de confinamento deixou o país com uma taxa de imunização tão baixa que é expectável o regresso de “ondas secundárias” de epidemia.
Portugal regista hoje 1.114 mortes relacionadas com a covid-19 e 27.268 infetados, segundo o boletim epidemiológico divulgado na sexta-feira pela Direção-Geral da Saúde.
LUSA/HN
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