Cimeira Social: Elisa Ferreira partilha preocupação com “grande impacto social” da crise quando “poeira assentar”

24 de Abril 2021

Elisa Ferreira considera que há “uma convergência enorme” entre a presidência portuguesa da UE e a Comissão Europeia relativamente às preocupações com o “grande impacto social” da crise da covid-19, que será mais visível “quando a poeira assentar”.

Em entrevista à Lusa, em Bruxelas, a comissária europeia da Coesão e Reformas destaca o pacote de emergência sem precedentes mobilizado a nível europeu desde há um ano para ajudar os Estados-membros a fazer face à crise, que “tem permitido que o impacto sobre o emprego não tenha sido tão grave como se esperava”, designadamente com os apoios às empresas para manterem os postos de trabalho.

Mas, adverte, “não se pode pensar que, uma vez a poeira assente, não vai haver um grande impacto a nível social”.

A comissária portuguesa diz ter, por isso, expectativas “muito positivas” relativamente à Cimeira Social no Porto, uma “iniciativa da presidência portuguesa que é muito bem-vinda” já que, realça, “numa pandemia com esta gravidade, não só em termos de saúde, mas também em termos económicos, é muito importante dar visibilidade política à necessidade de olharmos para as questões sociais e para o emprego”.

Segundo Elisa Ferreira, “há uma convergência enorme entre aquilo que é agenda a nível europeu e aquilo que é a iniciativa da presidência portuguesa”, também numa lógica de que a União Europeia deve aproveitar esta crise para reestruturar as suas economias, passando dos atuais “apoios de emergência” para “apoios de transição”, que ajudem a promover emprego de qualidade.

“Temos de trabalhar em conjunto e utilizar os fundos que temos não só para fazer estas políticas de emergência, mas também para prepararmos um relançamento económico que nos dê criação de emprego, mas emprego de qualidade, e o rejuvenescimento do próprio tecido produtivo, de maneira a que sobretudo o desemprego jovem seja efetivamente colmatado de forma estrutural e que os problemas sociais que estão associados, quer ao desemprego, quer ao trabalho pobre, seja ultrapassados, e para isso é preciso acrescentar valor ao trabalho das pessoas”, afirma.

A comissária responsável pela pasta da Coesão e Reformas no executivo liderado por Ursula Von der Leyen considera que os planos de recuperação e resiliência (PRR), que atualmente os 27 Estados-membros estão a preparar em estreita cooperação com a Comissão e que lhes permitirão aceder aos fundos do plano de relançamento «NextGenerationEU», é que irão traçar o rumo a seguir.

“Todos os planos de relançamento que neste momento estão a ser montados vão-nos levar precisamente a reestruturar a nossa economia de uma forma mais robusta, mais verde, mais digital, mais tecnológica e, portanto, neste sentido, não poderia haver um momento mais oportuno para se refletir sobre como fazer e como utilizar os meios que temos à nossa disposição do que este que estamos a viver”, argumenta.

Elisa Ferreira salienta que, dentro de algumas orientações, cabe aos países definirem as suas prioridades e o caminho a seguir, pelo que, “desta vez não há a queixa de que a Comissão Europeia está a impor” as suas políticas, uma vez que Bruxelas está sobretudo a perguntar aos Estados-membros “onde querem estar daqui a 10 anos”.

A comissária admite que não é fácil cumprir o ‘slogan’ europeu, muito usado durante a atual crise, de «não deixar ninguém para trás», mas insiste que é necessário que a próxima fase da resposta à crise tenha também o “enquadramento de solidariedade” presente na resposta de emergência, e daí a importância da Cimeira Social e da adoção de um plano de ação para a concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Elisa Ferreira salienta duas questões a serem discutidas na Cimeira Social e que julga merecerem “uma importância especial”: a proposta de salários mínimos adequados em toda a União e uma atenção muito especial às crianças.

Relativamente à proposta da Comissão, também neste caso fortemente apoiada pela presidência portuguesa, de um salário mínimo adequado na UE, a comissária observa que “alguns estarão surpreendidos que, no meio de uma crise destas, a Comissão Europeia venha tratar este assunto”, mas considera “muito importante” que a Europa adote “regras para constituição de um salário mínimo decente para os trabalhadores”.

A esse propósito, lembra o recente estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos – “Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos” – que revela que um quinto da população portuguesa é pobre e a maior parte das pessoas em situação de pobreza trabalha, a maioria com vínculos laborais sem termo.

Para a comissária europeia, além de garantir salários decentes para os trabalhadores, a UE deve também prestar particular atenção às crianças, apontando que, em 2019, ainda antes da crise provocada pela pandemia, já havia na Europa cerca 18 milhões de crianças em famílias que estavam abaixo do limiar de pobreza.

“Com a pandemia, este valor vai necessariamente agravar-se, e quando as crianças são sujeitas à violência da pobreza isso afeta-as durante toda a sua vida […] Enfim, há aqui uma preocupação enorme se não quisermos que este problema que estamos a viver conjunturalmente se transforme num problema estrutural que vai afetar toda uma geração”, alerta.

Elisa Ferreira congratula-se por, “à margem do grande evento do Porto”, ser organizada uma conferência, a 06 de maio, consagrada às crianças, na qual a presidência portuguesa, a Comissão e outros atores refletirão em conjunto sobre como atuar em diferentes dimensões, desde a saúde infantil ao papel das escolas e de “um conforto mínimo em casa”, o que também passa “naturalmente por os pais terem trabalho e rendimento suficiente”.

“Se pensarmos em todas as dimensões que enquadram uma infância que não comprometa definitivamente o futuro desta nova geração, nós temos a obrigação de, neste momento, também refletir sobre esse assunto. Acho que, de facto, as crianças mereciam aqui um espaço especial”, comenta.

Por fim, questionada sobre a ausência de um instrumento vinculativo associado aos princípios do Pilar Social, a comissária considera pouco exequível impor metas obrigatórias – às quais normalmente estão associadas sanções em caso de incumprimento -, precisamente dada a conjuntura de crise: “sem conhecer exatamente o cenário em que vamos sair desta crise, penso que talvez não fosse o instrumento mais oportuno”.

“Há alturas em que tentamos colocar valores e metas vinculativas, mas a verdade é que, no que diz respeito à criação de emprego ou ao desemprego, essas metas por vezes são difíceis de cumprir […] É relativamente fácil ter metas vinculativas no prolongamento das tendências pré-existentes do passado, mas a verdade é que estão sempre a aparecer ‘cisnes negros’: em 2008 apareceu a crise financeira e bancária, que depois acabou por ser uma crise também das finanças públicas, e agora estamos numa fase em que, de repente, do nada, aparece uma pandemia com esta dimensão” observa.

Ainda assim, Elisa Ferreira salienta que a ausência de metas vinculativas “não pode ser interpretado como uma desvalorização do sentido daquilo que se quer atingir” e o objetivo, reitera, é reconstruir a economia europeia pós-covid de forma sustentável e com um foco particular nas políticas sociais e de emprego, a pensar nas pessoas.

NR/HN/LUSA

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