A cirurgia laparoscópica roboticamente assistida, ou cirurgia robótica, tem um sucesso enorme em todo o mundo, com um crescimento explosivo no número e na complexidade dos procedimentos cirúrgicos, de forma transversal a muitas das especialidades cirúrgicas, sendo a Ginecologia uma das que mais beneficiou.
A cirurgia laparoscópica tornou-se o gold standard para o tratamento de muitas das doenças ginecológicas, associando-se a menos dor no pós-operatório, menor perda de sangue, menor morbilidade em algumas circunstâncias, internamento hospitalar mais curto e retorno mais rápido à vida de relação.
A cirurgia robótica vem somar às vantagens da laparoscopia clássica, muitas outras. Permite uma melhoria significativa na visualização do campo cirúrgico, maior liberdade de movimentos, eliminação do tremor fino do cirurgião, melhor ergonomia que induz menos cansaço – muito importante nas cirurgias longas- e, pelas suas características próprias, associa-se a uma curva de aprendizagem mais rápida. No conjunto, uma cirurgia mais segura e eficiente.
Naturalmente que não são só vantagens, e têm sido apontadas algumas desvantagens a esta abordagem inovadora. A necessidade de formação adicional do ginecologista e equipa, mesmo que tenham uma formação excelente nas outras abordagens cirúrgicas. A ausência do sentido do tacto também é apontada como um factor limitante, embora a maioria dos cirurgiões considere qua a experiência e a visão melhorada das estruturas sob tensão, acaba por compensar esta limitação.
Outra desvantagem, e que será provavelmente a que tem limitado a difusão mais rápida, é o seu custo económico mais elevado, devido não só ao custo da plataforma robótica, mas também ao das pinças cirúrgicas e ao maior tempo operatório/cirúrgico.
Com o número crescente de cirurgias efectuado pelas várias especialidades cirúrgicas, é possível uma amortização mais rápida da plataforma. Por outro lado, já se está a verificar uma baixa significativa no preço das pinças permitindo reduzir os gastos até 20%. Também o aumento do número de plataformas vendidas e o aparecimento no mercado de outras plataformas irá permitir baixar os custos. Por fim, o aumento da experiência das equipas permitiu reduzir de forma significativa o tempo operatório/cirúrgico, associando-se hoje a uma menor duração que a das outras abordagens, mais evidente nas cirurgias mais complexas. Muito provavelmente, no futuro a questão económica irá deixar de se colocar como um factor limitativo, podendo vir a ser, inclusive, uma razão para uma implementação mais rápida.
Em 2000, a plataforma robótica da Vinci foi a primeira a ser aprovada pela Food and Drug Admnistration (FDA) dos Estados Unidos da América para procedimentos cirúrgicos na Cirurgia Geral. Em 2005 a aprovação aconteceu para a doença ginecológica.
Desde então, tem vindo a ser utilizada de forma crescente nas doenças ginecológicas, tendo hoje a sua principal aplicação na doença mais complexa e difícil, como é o cancro ginecológico, a endometriose grave e os doentes de alto risco como a obesidade mórbida, onde a laparoscopia clássica tem mais dificuldade e está associada a maior risco de falha. Como todos sabemos, a obesidade é considerada uma verdadeira epidemia no mundo desenvolvido, e não é só um factor de risco para algumas doenças oncológicas como o carcinoma do endométrio, mas é também um factor associado ao aumento do risco da morbilidade (complicações) cirúrgica.
Em 2012 foram efectuadas 200.000 cirurgias robóticas passando no ano 2020 para 1.200,000, apesar da pandemia Covid-19, responsável por uma redução importante no número total de cirurgias, com particular impacto nas abordagens minimamente invasivas. Actualmente, existem mais de 6.500 plataformas robóticas da Vinci em uso clinico, das quais apenas cinco estão em Portugal.
A abordagem cirúrgica robótica, apesar da designação, é totalmente controlada pelo cirurgião, que hoje está junto do doente. Num futuro próximo, é espectável que o cirurgião possa estar a milhares de quilómetros do doente e possa realizar a mesma cirurgia, a chamada telecirurgia. Esta possibilidade tem motivado muito interesse e muita investigação, nomeadamente pela NASA (National Air and Space Administration), em particular no contexto de ambiente de guerra. Uma das condições absolutamente necessária é a disponibilidade de redes digitais que garantam a estabilidade do fluxo contínuo de informação. É muito provável que a telecirurgia venha a ter um papel crucial na qualidade e eficiência de algumas cirurgias.
O Centro Clinico Champalimaud foi pioneiro em Portugal na utilização da cirurgia robótica na doença ginecológica, particularmente na doença oncológica. As primeiras cirurgias foram efectuadas no nosso Centro em Fevereiro de 2017, sendo neste momento uma abordagem cirúrgica de rotina com mais de 250 cirurgias efectuadas e com francos benefícios para as nossas doentes.
A doença ginecológica oncológica tratada desta forma no nosso Centro, foi essencialmente o cancro do corpo do útero (endométrio e outros), alguns casos seleccionados de cancro do colo do útero e o cancro do ovário em estádios iniciais. Dentro de pouco tempo estaremos a utilizar a cirurgia robótica para tratar outras patologias ginecológicas, nomeadamente alguns casos de incontinência urinária, de prolapsos uro-genitais e de tumores uterinos volumosos não malignos (“miomas”).
É minha convicção pessoal que a cirurgia robótica será, num futuro muito próximo, a principal forma de tratar a grande maioria da doença ginecológica cirúrgica. Irá permitir que todos os ginecologistas possam utilizar esta abordagem cirúrgica minimamente invasiva, tratando e beneficiando todas as doentes que tenham indicação. A cirurgia robótica é para mim, apenas um passo na evolução da laparoscopia clássica, não sendo o futuro, mas sim já o presente e que abre portas inimagináveis na evolução e na melhoria da qualidade da cirurgia.
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