Cientista defende que Portugal deve estudar vulnerabilidade de africanos

17 de Maio 2020

Portugal deve considerar os resultados de vários estudos científicos feitos no Reino Unido que apontam para a vulnerabilidade acrescida à covid-19 de pessoas com um histórico genético africano, defendeu um investigador português a trabalhar em Londres. 

“Em Portugal existem tantas pessoas oriundas de Angola, Cabo Verde ou Moçambique. Estas pessoas têm de saber”, disse hoje à agência Lusa Rui Providência, Consultor de Cardiologia no St. Bartholomew’s Hospital e professor na universidade University College of London (UCL).

O investigador avisa que o risco é muito superior ao que foi identificado em estudos iniciais, mesmo para pessoas de uma faixa etária de entre 30 e 50 anos, que é considerada de baixo risco para o vírus.

“Se calhar vão ter de ter mais cuidado e os seus empregadores vão ter de as proteger muito mais”, defendeu.

Rui Providência é um dos autores de um artigo científico que dá conta de um estudo realizado entre fevereiro e abril com base numa amostra de 620 pacientes de diferentes hospitais de Londres infetados com covid-19 e compostos em proporção semelhante por indivíduos de etnia caucasiana, de origem africana ou das Caraíbas e de origem asiática, nomeadamente indianos e chineses.

A conclusão é que existe uma mortalidade maior nos asiáticos e africanos, mesmo corrigidas as diferenças nas populações, como idade e fatores de risco cardiovasculares.

“Os dois grupos têm maior mortalidade e isso é importante porque tem implicações não só do ponto de vista da prevenção. É importante que estas pessoas saibam que estão expostas a um risco muito maior e que, por isso, têm de ter mais cuidado”, vincou o investigador à Lusa.

O estudo sugere que profissionais de saúde destes grupos que estejam a tratar pacientes com covid-19 tenham de seguir medidas preventivas mais apertadas, por exemplo, como máscaras que oferecem maior proteção do que as máscaras cirúrgicas.

“O trabalho mostra que um indivíduo de 50 anos asiático ou africano têm um risco comparado a um caucasiano com 80 anos. É quase como estarmos a enviar um idoso de 80 anos para frente de batalha”, simplificou.

O estudo, que foi adicionado à base de dados MedRXive e não foi ainda sujeito a avaliação por outros cientistas, junta-se a uma série de estudos no mesmo sentido.

Académicos da UCL divulgaram no início do mês que analisaram os casos de pacientes que foram diagnosticados com covid-19 e morreram em hospitais públicos ingleses entre 1 de março e 21 de abril e detetaram que o risco de morte pelo vírus é “duas a três vezes maior” para pessoas negras, asiáticas ou outras minorias étnicas do que para a população britânica em geral.

Uma análise do instituto nacional de estatísticas britânico (ONS) que levou em consideração fatores socioeconómicos, também concluiu que cidadãos negros têm duas vezes mais probabilidades de morrer do novo coronavírus do que pacientes brancos.

Outros estudos científicos também têm apontado para um risco agravado para pessoas obesas ou com diabetes.

Embora seja cardiologista especialista em doenças arrítmicas, Rui Providência associou-se a estudos relacionados com a pandemia covid-19 devido à urgência em perceber a doença.

“Existe um fenómeno engraçado: pessoas de diferentes áreas, como investigadores clínicos de cardiologia, pneumologia e não só doenças infecciosas focaram-se todos neste problema porque há manifestações cardíacas, renais, pulmonares, neurológicas”, justificou.

Recentemente, Rui Providência colaborou num artigo publicado na revista New England Journal of Medicine também relacionado com o coronavírus, sobre dois fármacos usados para tratar situações cardiovasculares e que concluiu que não aumentam o risco de infeção viral.

“Sabemos que a influenza e o coronavírus partilham uma estrutura, o recetor ACE2, onde estes fármacos cardíacos poderiam ter algum efeito, e havia alguma preocupação quer da comunidade científica quer dos doentes sobre se poderiam continuar a tomar estes fármacos”, acrescentou.

LUSA/HN

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