Intensivista do Hospital São João defende “humildade” porque “novas variantes podem mudar o jogo”

23 de Julho 2021

O diretor de medicina intensiva do Hospital de São João, Porto, defendeu esta quinta-feira que “embora seja importante celebrar vitórias”, a sociedade deve ser “humilde” perante o novo coronavírus, porque “o aparecimento de novas variantes pode mudar o jogo”.

Em entrevista à agência Lusa, José Artur Paiva defendeu “um caminho mais gradual que permita celebrações parcelares” e não “um tudo ou nada” semelhante ao que chamou de ‘freedom day’, em português “dia da liberdade”.

“Dizer se é no fim de setembro ou de outubro [que se pode abrandar medidas] não é a melhor maneira de comunicar com a sociedade. O que nos ensinou a pandemia é que temos de monitorizar e decidir, dia a dia. É importante celebrar vitórias. É motivacional. Mas temos de procurar vitórias mais pequeninas, não passar do tudo ou nada, de um dia de recolhimento a um dia de libertação. Essa ideia do ‘freedom day’ não me parece inteligente”, disse o médico.

E o especialista que pertence à Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a Covid-19, alertou: “O aparecimento de novas variantes pode mudar o jogo”.

José Artur Paiva acredita que haverá “uma redução progressiva das medidas, à medida que o caminho da vacinação for acelerado”, mas aconselhou o país a “até ao final desse caminho” saber “manter a humildade”.

“Devemos ser humildes porque esse dia em que podemos começar a ter uma vida quase normal, é um dia que está dependente de vários fatores: o comportamento de todos nós, a estratégia de vacinação, mas também do comportamento do vírus”, referiu.

O médico intensivista que em junho lamentou que o país tivesse sido lento na resposta ao aparecimento de uma nova variante e defendeu estudos de sequenciação numa quantidade mais significativa de amostras, disse hoje que a variante delta “trouxe ensinamentos” no que se refere ao “refinamento da estratégia”, mas recordou que “até os ingleses que são obsessivos na referenciação de novas variantes, foram surpreendidos”.

Para o diretor do serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), “é fundamental” que Portugal seja “capaz de ter um sistema efetivo de deteção de novas variantes”.

“O INSA [Instituto Nacional De Saúde Doutor Ricardo Jorge] tem essa missão. É uma missão que pode e deve ser partilhada, sob a égide do INSA, com múltiplos laboratórios. Deve haver uma rede que permita a referenciação, por sequenciação genómica, de novas variantes”, considerou.

Ainda sobre a variante delta, José Artur Paiva chamou-a de ‘game changer’, o que numa metáfora com o futebol, como o próprio fez, “se assemelhou a um craque, um jogador mais difícil de marcar”.

“É mais transmissível e tem mais facilidade em invadir a célula do hospedeiro. Isso mudou as regras do jogo. A adaptação do país a este jogador novo foi lenta, mas houve uma resposta que me satisfez: a vacinação acelerou”, analisou.

Antes, o especialista tinha analisado também os números atuais de doentes críticos com Covid-19, apontando que o número de doentes em medicina intensiva mais do que triplicou de junho para cá, mas “a boa notícia é que o percentual de doentes que precisam de hospitalização sobre o total de casos é menor agora do que era nas outras ondas”.

Hoje de manhã no Hospital de São João estavam internados 15 doentes críticos com o novo coronavírus, dois dos quais com menos de 30 anos e seis com menos de 40 anos.

Já à escala nacional, dois terços dos doentes internados em Unidades de Cuidados Intensivos têm menos de 60 anos, metade dos doentes têm menos de 50 anos, e um quarto dos doentes tem menos de 40 anos.

“A população mais idosa e a não idosa, mas com comorbilidades, está protegida pela vacina. Mas isto prova uma segunda coisa, é que esta doença é capaz de causar casos graves em populações não idosas e não imunodeprimidas. Isto não é diferente agora. O que aconteceu não foi o aumento da mais nova, mas sim o desaparecimento da mais idosa”, descreveu.

Diretor de um serviço onde a taxa de ocupação Covid-19 se situa atualmente entre os 85 e os 90%, enquanto a de não covid-19 é de 85%, José Artur Paiva explicou também que “a resposta é muito adaptável” e “a oferta vai variando conforme a procura que vai havendo”, porque trabalhar com taxas de ocupação mais baixas do que 80 ou 85% pode significar desperdício de recursos.

“Há um compromisso sistemático e total em manter acesso total a doentes covid e doentes não covid. Não admitimos constrangimentos da atividade não covid face a ondas ou variações da covid. Este compromisso ético é para nós fundamental”, frisou.

A pandemia de Covid-19 provocou pelo menos 4.128.543 mortos em todo o mundo, entre mais de 191,9 milhões de casos de infeção pelo novo coronavírus, enquanto em Portugal, desde março de 2020, morreram 17.248 pessoas e foram registados 943.244 casos de infeção.

Hoje no Hospital de São João, no Porto, estavam internadas 48 pessoas infetadas com o novo coronavírus.

A doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China, e atualmente com variantes identificadas em países como o Reino Unido, Índia, África do Sul, Brasil e Peru.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Sociedade Portuguesa para a Inovação em Microbioma e Probióticos: “A resposta para muitos dos problemas de saúde está no intestino”

“Para além do eixo intestino-cérebro, que é o mais conhecido, existem outras relações do intestino com muitos outros órgãos, como o sistema cardiovascular, o sistema endócrino (influenciando a tiroide, a fertilidade, por exemplo), doenças reumáticas e até resistência à insulina.” Portanto, a “resposta para muitos dos problemas de saúde está no intestino, e a chave para os resolver está naquilo que comemos”, segundo a nutricionista Maria Inês Antunes, que integra os órgãos sociais da Sociedade Portuguesa para a Inovação em Microbioma e Probióticos (SPIMP).

Câmara de Porto de Mós entrega seis viaturas a USF do concelho

A Câmara de Porto de Mós vai entregar seis viaturas às unidades de saúde familiar (USF) do concelho, iniciativa que integra a descentralização de competências do Estado central na área da saúde, disse esta quarta-feira o presidente do município.

Fundo de Formação do SIM tem candidaturas até 31 de maio

O prazo de apresentação de candidaturas para o Fundo de Formação do SIM, cujo objetivo é contribuir para a formação pós-graduada dos Médicos Internos, associados do Sindicato há pelo menos um ano, prolonga-se até 31 de maio. Está disponível uma verba de 150.000€ para 2024.

Abertas candidaturas para bolsa ‘ReMission’

Já estão abertas as candidaturas para a bolsa ‘ReMission’, uma iniciativa que visa promover a investigação científica nas áreas das neoplasias de células B maduras.  Este é um projeto da Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL), em parceria com a Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH).

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights