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A Saúde Ocupacional e a pandemia da COVID-19: velhos problemas com novos desafios ou novos problemas com velhos desafios?
A atual situação pandémica que vivemos, de que é responsável o Coronavírus SARS-CoV-2, colocou na ordem do dia os aspetos da Saúde Ocupacional (também denominados de Saúde e Segurança do Trabalho) e, nesse contexto, o papel dos profissionais de saúde desses serviços, designadamente dos médicos do trabalho e as suas competências e capacidades no combate à situação que ainda vivemos.
As grandes finalidades da Saúde Ocupacional são a prevenção médica e ambiental das doenças profissionais (e de outras doenças “ligadas ao trabalho”) e dos acidentes de trabalho, a promoção da saúde de quem trabalha e a contribuição, na sua área de atuação, para a manutenção da capacidade de trabalho “perseguindo” o grande objetivo que a população que cria riqueza se mantenha saudável e segura mas, mais importante ainda, que tendencialmente a sua capacidade de trabalho seja, senão igual, muito próxima da capacidade de trabalho no início da vida activa o que está muito para além da simples ausência de doença. Isto é, não só se quer que as pessoas não percam a sua vida (e saúde) a trabalhar, mas que se mantenham activas e produtivas e mesmo “comprometidas” com as organizações em que trabalham.
Tal campo de atuação “entrelaça-se” também no risco de transmissão da infeção pelo novo Coronavírus que, em meio profissional, pode ser essencialmente de três tipos:
• O chamado risco geral que é idêntico à probabilidade de contágio para qualquer pessoa ou trabalhador. O vírus circula num grupo de pessoas, quer estejam a trabalhar ou não, e a probabilidade de se infetarem, grosseiramente, é semelhante à probabilidade de um qualquer cidadão;
• O risco geral acrescido em que certos contextos podem determinar um aumento da probabilidade de infeção com o Coronavírus SARS-CoV-2, como por exemplo, as situações de trabalho que exigem contactos muito frequentes com outras pessoas no exercício da atividade profissional, como acontece em situações de atendimento ao público como, por exemplo, em cabeleireiros ou barbearias, em restaurantes ou em supermercados ou ainda no abastecimento de combustíveis;
• E o risco específico que envolve trabalho em que os trabalhadores laboram com uma elevada probabilidade de infeção, como acontece por exemplo na prestação de cuidados clínicos a portadores do vírus (ou casos suspeitos), como por exemplo, os profissionais de saúde dedicados ao diagnóstico e tratamento de doentes infetados ou, por exemplo, que processam produtos biológicos contendo o vírus.
A participação dos profissionais de Saúde Ocupacional na implementação de medidas preventivas no âmbito da COVID-19, a instituir pela empresa (ou por outra qualquer organização) deverá ter em conta essa “estratificação de risco” já que, entre outros e para além de aspetos muito referidos (e importantes) como as vias de transmissão direta (via aérea e por contacto) e as vias de transmissão indireta (por exemplo, superfícies/objetos contaminados ou partilha de ferramentas e outros objetos de trabalho), existem variáveis de natureza individual, como a idade ou as doenças crónicas que possam existir, que participam também nesse conceito de risco.
Seguramente que as situações de risco específico, por conterem o agente da doença, deverão ser caracterizadas, caso ocorra a transmissão, como uma doença profissional, podendo também algumas das situações de risco geral acrescido vir a ser igualmente caraterizadas como tal. A Organização Mundial de Saúde há meses que se pronunciou sobre essa matéria.
Assim sendo, tais situações de risco (risco geral, risco geral acrescido e risco específico) constituem situações concretas do âmbito de intervenção da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional (ou ainda, se se preferir, da Saúde e Segurança dos Trabalhadores – SST), ainda que com dimensões e níveis de compromisso diversificados.
As empresas e os seus Serviços de Saúde Ocupacional (ou de SST) devem portanto ativamente colaborar na gestão desse risco, ou se se preferir na contenção (ou mitigação) dos possíveis efeitos da pandemia por Covid19, como parte da sua área de atuação através da sua responsabilidade de cooperação com as Autoridades de Saúde e com a continuação do negócio. Devem apoiar a empresa (ou organização) no diagnóstico e gestão desse risco e ainda planear formas de diminuir o contágio, designadamente o distanciamento físico no local de trabalho através do aumento de espaço entre trabalhadores (espaço unitário de trabalho), a proposta da segregação no espaço e no tempo (por exemplo a alteração de horários de trabalho ou, por exemplo, o distanciamento físico em reuniões). Participam ainda nos planos de contingência das empresas que deverão considerar estas questões, tal como a Saúde Ocupacional, como um “problema” da organização e não como um “problema dos médicos”.
As situações de trabalho com risco específico exigem obviamente uma especial (e específica) atenção, já que nesses casos a atividade (de trabalho), mais dos que as condições de trabalho, assim o exige, como é o exemplo paradigmático dos Serviços de Saúde Ocupacional de Hospitais e, quando existentes, também dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES).
O que, em nosso entendimento se passou nestes últimos meses, foi que muitas organizações (incluindo empresas) que têm dedicado maioritariamente a estes aspetos muito pouca atenção, se não mesmo uma atenção semelhante à que se dedica a algo imposto (como as obrigações tributárias), ficaram parcialmente privadas dos melhores meios (incluindo formas organizativas e recursos de diversa natureza) para “combater” a infecção e para preservar melhor, nessas dimensões, a continuidade de negócio.
Qualquer situação de crise, como se sabe, também constitui uma oportunidade de melhoria. Oxalá esta situação tenha despertado uma maior atenção pela área da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional e uma oportunidade de melhoria da sua valorização no seio das organizações. Da minha parte, porque entendo que todas as partes envolvidas são ganhadoras, continuarei a apostar “todas as fichas” nisso porque não tenho dúvidas (o que para mim é pouco frequente) que a qualidade de qualquer “produto” depende da qualidade da sua produção e que essa depende, também, da saúde e segurança de quem trabalha. De que estamos então à espera para olhar para essa área mais como um investimento do que como um custo?
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