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Carta Aberta ao Corona!
Olá Coronavírus, chegaste, viste e venceste.
Sinceramente, não estávamos à espera. Até pensávamos que dominávamos esta bola colorida em que viemos, chamada “Mundo”. O Mundo da tecnologia, inteligência artificial, sem papel e sem fios, comando à distância
Mas o dito Coronavírus até chegou a partir de um dos dois Países que domina o Mundo, que até começa o seu nome pela mesma letra. É um vírus coroado, como um Rei. Colocou o Mundo de joelhos. Não se vê, não se ouve, não tem gosto, nem se sente na pele. Fator de risco: apenas respirar e estar vivo. Simplesmente.
És um vírus animalesco já que dizem que vens de alguns animais enjaulados e encaixados de um mercado de uma cidade Chinesa, de seu nome Wuhan, que tem aproximadamente o mesmo número de habitantes que Portugal. A densidade populacional é 1000% superior à portuguesa, sendo uma das cidades mais populosas da China. És uma zoonose, vens dos animais e vais para o Homem. Ameaçador.,
Vieste de mansinho, já que havia quem pensasse que não chegarias ao território Luso, eras apenas uma gripezinha, nada de mais, qual ameaça silenciosa, qual quê. Um exagero dos Whuaneses. (武汉).
Mas apenas duas questões muito simples se colocavam: por um lado chineses confinados em casa? E OMS tocava a rebate i.e ‘We Have Rung the Alarm Bell Loud and Clea” criticando alguns estados pelos níveis alarmantes de inação. E no dia 11 de Março a declaração de Pandemia Global. Ficámos a conhecê-lo o Sr.OMS de seu nome Tedros que nos anima a casa do confinamento todos os santos dias, com um fundo celestial e azul por trás de si.
Ponto final, parágrafo. Vieste sem dizer sff. Num País igual a muitos ouros, diferente de muitos outros. Duas ideias apenas: uma das mais elevadas esperanças médias de vida do “Tal Mundo”, com cerca de 81 anos. Por ouro lado não deixa de ser interessante que o “Bloomberg Healthiest Country Index” nos classifica entre 169 países num interessante 22º lugar. O nosso Sistema Nacional de Saúde habituado a viver nos rankings tinha sido classificado como o 12º mais eficiente do Mundo, no ano 2000 pela OMS.
Apesar destas interessantes posições, que não são mais do que isso, o também envelhecimento das nossas infraestruturas e da dificuldade de renovação era voz corrente do nosso dia-a-dia.
Ou seja o País onde nascemos facilita que vivamos quase três gerações. Uma dádiva e um Bem Nacional inestimável.
Não deixa de ser curioso que, voltando ao tal Bloomberg Index que quase metade nos países classificados acima de nós são os que mais sofrem e morrem com a infeção COVID-19: Espanha (1º) Itália (2º), Suíça (5º), Suécia (6º), França (12º) entre outros.
Um dos aspectos ameaçadores desta infeção é a capacidade de atacares os guerreiros, os profissionais de saúde. Muitos caíram em combate em Espanha e Itália, os dois do pelotão da frente.
E agora? Que fazes aqui gastrenterologista?
À partida somos um País de risco já que sendo o quarto do Mundo com mais população acima dos 65 anos de idade, cerca de 23% de acordo com o Economist (2020).
Um dos índices mais relevantes é a mortalidade por milhão de habitantes, coloca-nos em melhor posição do que os tais países. Mas caíram em combate, muitos dos nossos Avós, Pais e Bisavós. Os “maiores” muitas vezes sem o carinho devido.
E qual o impacto para o Gastrenterologista? Nesta fase de Emergência Nacional, rapidamente nos adaptámos e mudámos o nosso paradigma. Estão no terreno os campeões que ajudaram a construir o SNS e que formaram uma geração de médicos mais novos, com excelente qualidade.
O que fazemos nós aqui? Uma trilogia de actividades e entidades:
1-Execução de exames para observar por dentro o corpo humano, muitos deles aproximando-se da actividade de um cirurgião, como sejam a endoscopia alta para ver o esófago, estômago, duodeno, colonoscopia para o cólon, cápsula endoscópica para o intestino delgado, CPRE para os canais do pâncreas e das vias biliares, etc. Actualmente até se consegue realizar uma ecografia aos órgãos internos com um aparelho chamado ecoendoscópio (endoscopia e ecografia, dois em um, com a possibilidade de realizar biopsias e fazer alguns tratamentos. O exame mais importante pela sua dimensão e potencialidade preventiva e curativa é a colonoscopia. Fazemos cerca de 300.000 por ano.
2-Por outro lado, lidamos com doenças graves, potencialmente mortais como sejam os cancros digestivos e as doenças do fígado. Os cancros do Aparelho Digestivo representam 1/3 de todos os cancros dos portugueses, sendo responsáveis por 10% das mortes anuais. Um deles, é o cancro mais frequente em termos de novos casos por ano, o cancro do cólon e reto com pouco mais de 10.000 novos casos em 2018. Ou seja na próxima década irão aparecer 100.000 novos casos. O segundo mais frequente é o cancro da mama com cerca de 7000 casos/ano. Três das entidades onde o gastrenterologista tem papel vital, estão no Top Ten da mortalidade em Portugal, cancro do estômago, cancro do cólon e reto, e doenças do fígado.
3-Por último lidamos com outras doenças menos graves, mas que afectam milhões (obstipação com 2 milhões, doença de refluxo com 3 milhões, síndroma do intestino irritável com 1 milhão) ou alguns milhares como a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa que afectam portugueses em fase activa da vida.
O número de exames reduziu-se em 90%. Por medidas de segurança e controlo da pandemia, que foram eficazes, não se tendo atingido em Portugal a dimensão que outros países enfrentaram.
E depois do Adeus?
Quase dois meses se passaram desde a declaração de Emergência Nacional. Em dois meses, pelas estatísticas, surgem 2800 portugueses com cancro do Aparelho Digestivo dos quais 1700 com cancro do cólon e reto. Onde anda a maioria? Quo Vadis?
Temos que voltar ao mundo rotineiro da prática de lidar com as doenças do Aparelho Digestivo, desses 10 metros de órgãos de estrutura tubular a que se juntam o fígado, vesícula biliar e pâncreas.
Assim como fomos capazes de lidar com a Pandemia temos que ser hábeis para lidar com o que ficou para trás. Não será fácil, uma nova task-force tem que ser proporcionada a nós, portugueses, que sobreviveram.
Mãos à obra, olho nos endoscópios.
“It is no use saying ‘we are doing our best.’ You have got to succeed in doing what is necessary.”
Winston Churchill
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