É preciso tempo suficiente para ser feliz

27 de Maio 2020

“Uma vida muito longa não é necessariamente melhor. Uma vida curta pode ser igualmente boa, o que interessa é que tenhamos tempo suficiente”, aponta a filósofa Hilde Vinje

Aristóteles dizia que precisamos de mais do que um bom dia para viver uma vida feliz. Mas quanto tempo será ao certo preciso para alcançar a felicidade? A filósofa Hilde Vinje tem tentado responder a essa pergunta.

Hilde Vinje estudou Aristóteles para desvendar o que ele realmente disse sobre felicidade. Foto: Feroz Mehmood Shah

Sou Feliz? O que tenho que fazer para ser bem-sucedido? Estas são as perguntas que as pessoas fazem a si mesmas e aos seus psicólogos, mas não é nada de novo – já há 2.400 anos o próprio Aristóteles ponderava sobre o mesmo assunto. “Para Aristóteles a felicidade levava muito tempo a alcançar”, diz Hilde Vinje.

A filósofa escreveu a sua tese de doutoramento sobre o conceito de felicidade de Aristóteles no Departamento de Filosofia, Clássicos, História de Arte e Ideias na Universidade de Oslo, na Noruega. “Quando falamos sobre a felicidade hoje em dia, falamos de um sentimento que vem e vai. Costumamos achar que a definição de felicidade depende de cada individuo. Que temos bons e maus dias e que a felicidade parece estar só de passagem. As ideias de Aristóteles sobre a felicidade contrastam com esta conceção, mas ainda assim permanecem hoje em dia”, explica a filósofa.

Aristóteles é um dos principais pensadores da história ocidental da filosofia. Ele escreveu os seus textos sobre a felicidade por volta de 300 AC. Nesta pintura de Jean Leome Gerome Ferris, de 1895, ensina o seu aluno Alexandre o Grande. Ilustração: Wikimedia Commons

A felicidade demora tempo
“Uma andorinha não traz a primavera”. Este é o início de um famoso ditado de Aristóteles. A próxima frase não é tão conhecida e dizem mais ou menos o seguinte: “… nem um dia; da mesma maneira que não se fica feliz e abençoado num dia ou num curto espaço de tempo”. É esta a premissa do trabalho de Vinje. “Parece que temos de viver um longo tempo para chegarmos a ser felizes. Mas quanto tempo ao certo? Se um dia não é suficiente, quantos serão?”.

Filósofos têm estudado e examinado o trabalho de Aristóteles em grande detalhe ao longo dos últimos 2.000 anos. Ainda assim ninguém conseguiu encontrar a resposta final a estas perguntas. “Uma das primeiras coisas que se aprende sobre Aristóteles é que quando ele fala sobre a felicidade é algo que demora muito tempo. Fica tudo muito claro nesta passagem porque ela enfatiza o quão insuficiente é um dia ou uma semana. Mesmo assim, o que ele quer dizer ainda não nos é totalmente claro.

Há dois trabalhos que Hilde Vinje tem vindo a estudar em profundidade: Ética a Nicómaco e Ética a Eudemo, ambos de Aristóteles. Para ela, a definição antiga de felicidade assenta em dois aspetos chave: virtude e uma vida cheia. “A virtude, ou “arete”, como é muitas vezes chamada no campo da filosofia, é algo como viver a vida em todo o seu potencial e é caracterizada através de aspetos de personalidade moralmente valorizados, como a moderação, a sabedoria e a coragem”, explica a filósofa.

A felicidade acontece na vida
Enquanto a virtude tem sido alvo de discussões metódicas, as ideias de Aristóteles que dizem respeito a uma vida completa não têm sido tão bem examinadas. Como maneira de perceber qual seria a duração ideal de uma vida, Vinje estabeleceu o conceito de felicidade descrito por Aristóteles como referência e chegou a duas possíveis respostas. Segundo a filósofa, “algumas pessoas pensam que uma vida completa e cheia de felicidade é uma vida terminada. Que tem que ser como uma história com um final feliz”. Esta é uma explicação com que diz ter-se deparado em vários textos, mas ela julga que Aristóteles pensava que a felicidade se alcança numa vida.

“Eu sugeriria que a vida fica completa quando temos um número de recursos tais como amigos, família, um mínimo de respeito e uma boa comunidade da qual conseguimos tirar partido”. E se pensarmos desta forma, a felicidade torna-se alcançável ao longo de uma vida. “Não precisamos de saber como uma vida acaba para determinarmos se foi feliz. Com base nesta ideia é possível alcançar a felicidade para depois perdê-la, mas esta pode ainda assim ser lembrada como uma vida feliz”. Por outro lado, acrescenta Vinje, “se conseguirmos manter-nos felizes até morrermos então somos o que Aristóteles chamaria de abençoados”.

Há que chegar ao topo
Qual é a idade mínima que é preciso atingir para se ser feliz? A filósofa chegou a um número. “Se interpretarmos estritamente o que diz Aristóteles, teremos que alcançar pelo menos os 49 anos de idade. Num dos seus textos ele esclarece que existem períodos diferentes em que estaríamos no pico mental e físico da nossa vida. No que diz respeito ao físico, para os homens o pico estará entre os 30 e os 35 anos de idade, para as mulheres seriam os 18. Já a mente estará no seu auge aos 49 anos de idade”. Obviamente, há que encarar a teoria com algum ceticismo. “Talvez fosse uma piada, se calhar tinha 49 anos quando a escreveu. Não me contentaria com tal resposta a uma questão tão relevante, sobretudo se baseada numa piada antiga que não parecemos compreender”, explica Vinje.

De qualquer maneira, para a filósofa a idade é menos importante, “chegar a uma idade certa não será suficiente por si só. O comprimento mínimo de uma vida há-de ser suficiente para chegar ao conceito de felicidade de Aristóteles. Tudo se resume ao tipo de pessoas que somos e às ações que tomamos”.

A amizade é algo importante para alcançar a felicidade aristoteliana, “amizade perfeita leva muito tempo a alcançar. Podem querer ser bons amigos com alguém mas serem só conhecidos, ganhar a sua confiança e desenvolver uma amizade não é algo que se faça num dia”.

Afinal, viver até aos 49 anos pode não ajudar muito no que diz respeito à felicidade se disfrutarmos de uma vida virtuosa. Soa familiar: temos que nos aperceber do potencial nas nossas vidas. “Para alguns pode demorar 50 anos, enquanto outros apenas precisam de 20 ou podem nem nunca conseguir lá chegar. Se calhar até não se apercebem do potencial das suas vidas ou não vão dispor dos recursos certos para lá chegar”.

Nem demasiado comprida, nem demasiado curta
Então, a felicidade demora tempo a alcançar. Mas será a longevidade tudo na vida?
“Uma vida muito longa não é necessariamente melhor. Uma vida curta pode ser igualmente boa, o que interessa é que tenhamos tempo suficiente”, diz Vinje.

A filósofa acredita que o número de anos seja menos importante, mas que ainda assim a vida pode ser demasiado comprida ou demasiado curta. “Se não tivermos tempo suficiente para alcançar este potencial das nossas vidas, ela será demasiado curta. Uma vida que acaba prematuramente deixa muitos assuntos por resolver”. ”Existem também indicações de que a vida pode ser demasiado comprida para ser uma vida feliz. Se alcançarmos o potencial mas não formos capazes de utilizar as nossas habilidades, então não conseguiremos manter a felicidade. Isto porque a felicidade tem tudo que ver com a virtuosidade: utilizar as capacidades para retirar o máximo de desempenho”.

As ideias de Aristóteles são válidas hoje
O doutoramento de Hilde Vinje envolveu uma vasta e detalhada pesquisa a nível filosófico e psicológico além de ser, em certa maneira, um exercício técnico de interpretação de um texto antigo que, ainda assim, julga ser relevante nos dias de hoje.

“Quando o leio não penso que estou a ler um texto escrito há vários milhares de anos. Algumas ideias são estranhas hoje, em parte porque Aristóteles falava para membros de uma audiência que disfrutavam de um certo estatuto na sociedade em que se inseriam – homens gregos livres. Por exemplo, isso fica claro quando ele diz que o pináculo da vida de uma mulher é aos 18 anos (…). Mas não acho que nos devamos deixar levar pelos números, antes pensar como o que escreveu pode ser utilizado na nossa própria perceção do que é a felicidade”.

Vinje refere-se a um outro filósofo, o dinamarquês Villy Sørensen que escreveu “uma andorinha não traz a primavera, mas faz o que pode”.

“Esta é uma boa ideia. Mesmo que haja pouca coisa boa nas nossas vidas não significa que valham pouco. Podem não ser suficientes para atingir a felicidade como descrita por Aristóteles, mas não deixa de ser bom ter um grande amigo”.

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NR/HN/João Daniel Ruas Marques

1 Comment

  1. Jobs-BD2022

    “Vale ressaltar que ter um senso de proposito nao requer um trabalho remunerado. Por exemplo, o trabalho voluntario geralmente fornece um senso de proposito. O tempo dedicado a paternidade bem-sucedida tambem pode oferecer a sensacao de realizacao”, explica a especialista. Alem da quantidade de horas livres, tambem e preciso escolher o que fazer com esse tempo. Isso e fundamental para que exista a sensacao de um periodo bem aproveitado, de acordo com Holmes. “Aprendi que, mesmo com os 90 minutos de tempo livre que tenho, posso fazer com que meus dias parecam menos estressantes e mais gratificantes”, escreve.

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