Análise a 65 anos de estudo sobre relações entre as florestas, a desflorestação e as emergências por doenças infeciosas

28 de Maio 2020

O tópico das “florestas, desflorestação e doenças emergentes” raramente foi devidamente abordado, apesar de vários trabalhos se pronunciarem sobre ele nos seus títulos ou resumos.

A pandemia global do COVID-19 fez sobressair a importância de algumas áreas científicas pouco estudadas, tais como a relação entre os ecossistemas, a sua biodiversidade e o aparecimento de novas doenças infeciosas.

A espécie humana faz cada vez mais uso do ambiente e está portanto cada vez mais exposta a micróbios escondidos, uma situação que dar força a novos tipos de infeção. Investigadores da INRAE, CIRAD, IRD e do Instituto Pasteur da Guiana Francesa publicaram recentemente na Environmental Research Letters uma revisão de literatura sistemática com recurso a bibliometria a cerca de 565 trabalhos publicados entre 1953 e 2018, que se debruçam sobre a relação entre florestas, desflorestação e doenças infeciosas emergentes, e determinaram a quão escassa é a informação sobre esta matéria.

O vírus SARS-CoV-2, responsável pela globalidade atingida pela pandemia do COVID-19, parece ter surgido de uma provável recombinação de vírus de duas diferentes espécies animais, uma das quais sujeita a práticas ilegais de caça ou comercialização. Assim, com o aparecimento de numerosas outras doenças que afetam a espécie humana, esta é uma zoonose (infeção de origem animal). Nas zonas entre os trópicos, que são o habitat de uma esparsa concentração de diversidade biológica e onde as sociedades são ainda vulneráveis, algumas populações humanas vêm-se agora a braços com novas ameaças à saúde provenientes da vida selvagem. Ao cortar árvores, desenvolver colheitas e criação de gado, estas mesmas comunidades entram em contacto com ciclos microbiais provenientes da interligação de vários ecossistemas florestais de larga escala.

Por todas estas razões, os investigadores analisaram 565 estudos científicos que utilizam os termos “floresta”, “desflorestação” e “doenças infeciosas emergentes” nos seus títulos e resumos para concluírem que apenas 165 tratam realmente da relação entre florestas, a desflorestação e as doenças emergentes, e conseguem contribuir com informações relevantes ao debate.

Mas como preencher tamanha lacuna? Os cientistas começaram então a estudar os resultados em grande detalhe e concluíram que um largo número de trabalhos lida realmente com uma pequena porção do que são os ciclos infeciosos, sobretudo com insetos transmissores de vírus (insetos vetores) ou espécies protegidas, mas com muito menos frequência se debruçam sobre a interação entre vírus, bactérias ou protozoários. Por cima disso, a grande maioria destes artigos não discute qualquer ligação com casos humanos.

Em suma, o tópico das “florestas, desflorestação e doenças emergentes” raramente foi devidamente abordado, apesar de vários trabalhos se pronunciarem sobre ele nos seus títulos ou resumos. Uma outra conclusão retirada pelos investigadores é que existe uma clara tendência para realizar estudos relacionados com a doença de Lyme ou a leishmaniose, já que era este o foco de muitos dos trabalhos analisados. Muitos referem-se também especificamente às áreas geográficas da América do Norte, Central e do Sul. Este tipo de estudos analíticos, agora denominados de “Research on research” (Investigação à investigação) é vital para um ponto de vista objetivo e baseado em factos que aponte a própria investigação no caminho certo.

O exemplo aqui discutido ilustra na perfeição a importância deste tipo de estudos e salienta o facto de a maioria deles ainda lidar com tópicos complexos de uma maneira muito desligada de setor para setor, ainda que com uma abordagem inicial OneHealth. Para além disso, este estudo demonstra a necessidade de alargar o conhecimento no campo das doenças infeciosas emergentes e a sua transmissão através de uma melhor monitorização dos componentes ambientais e até mesmo antropológicos, sociológicos, económicos e políticos potencialmente envolvidos na questão.

NR/HN/João Daniel Ruas Marques

 

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