O Recovery, o primeiro ensaio clínico de grande dimensão a divulgar resultados, foi um dos poucos a não suspender os testes com hidroxicloroquina depois de um estudo controverso publicado na revista científica Lancet, que acabou por ser retirado, apontar a ineficácia, senão mesmo um efeito negativo, da molécula no tratamento destes doentes.
Depois de uma análise aos primeiros resultados, os autores do ensaio britânico afirmaram ter concluído “que não há efeito benéfico da hidroxicloroquina nos pacientes internados com covid-19”.
“Decidimos, por isso, pôr fim ao recrutamento de participantes para o ramo hidroxicloroquina do ensaio Recovery, com efeitos imediatos”, acrescentaram.
Explicaram ainda que decidiram tornar públicos os resultados preliminares, porque “têm consequências significativas para o tratamento dos doentes e para a saúde pública”.
O Recovery é um ensaio clínico controlado e aleatório, o método científico considerado mais eficaz para testar medicamentos. Está a ser desenvolvido no Reino Unido em mais de 11 mil pacientes de 175 hospitais para avaliar a eficácia de vários tratamentos contra a covid-19.
Os testes relacionados com outras hipóteses de tratamento continuam.
O ramo hidroxicloroquina envolveu 1.542 pacientes que receberam a molécula, que compararam com outros 3.132 doentes que receberam o tratamento ‘standard’.
Os investigadores concluíram que não existe diferença significativa entre os dois grupos nem no que diz respeito à mortalidade a 28 dias, nem no tempo de hospitalização.
“É dececionante que o tratamento seja ineficaz mas isso permite-nos concentrar nos tratamentos e medicamentos mais promissores”, comentou Peter Horby, o investigador principal do ensaio.
Depois de o tratamento ter sido prescrito de forma massiva em vários país, apesar da “ausência de informação fiável”, os resultados “devem mudar as práticas médicas em todo o mundo e provar a importância de ensaios aleatórios de larga escala para permitir a tomada de decisões sobre a eficácia e inocuidade dos tratamentos”, acrescentou o seu adjunto Martin Landray.
Um estudo publicado na revista The Lancet a 22 de maio concluía que a hidroxicloroquina não tinha efeitos benéficos nos doentes de covid-19 hospitalizados e poderia mesmo produzir efeitos negativos. No entanto, tratava-se de um estudo de observação baseado em dados recolhidos junto de 96 mil doentes em todo o mundo por uma empresa americana, a Surgisphere, que foi depois posta em causa.
Na nota de retratação, Mandeep Mehra, Frank Ruschitzka e Amit Patel afirmam que “já não podem atestar a veracidade das fontes primárias dos dados”, usados para o artigo, e pedem desculpas aos editores e aos leitores da revista pela eventual “vergonha ou incómodo” causados.
Numa declaração, a revista The Lancet refere que o artigo será atualizado em breve de modo a refletir a retratação do estudo.
O estudo levou à suspensão do ramo hidroxicloroquina de dois grandes ensaios, um da Organização Mundial de Saúde (OMS) e o ensaio europeu Discovery.
Depois das críticas ao estudo publicado na The Lancet, a OMS voltou atrás na decisão e retomou o ensaio com esta molécula antimalárica, sendo esperado que o mesmo aconteça ao ensaio Discovery.
Na quarta-feira, um outro ensaio clínico de método aleatório a ser desenvolvido nos Estados Unidos e no Canadá, com um número de pacientes menor do que os que participam no Recovery, ter concluído que a molécula é ineficaz na prevenção da covid-19.
A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, disse na quinta-feira que Portugal vai manter uma posição “cautelosa” e não vai recomendar o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, isto depois de a OMS ter anunciado que retomou os testes.
Portugal contabiliza pelo menos 1.465 mortos associados à covid-19 em 33.969 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) divulgado hoje.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 387 mil mortos e infetou mais de 6,5 milhões de pessoas em 196 países e territórios.
Mais de 2,8 milhões de doentes foram considerados curados.
LUSA/HN
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