‘App’ de rastreamento pode dar conforto psicológico mas tem riscos

6 de Junho 2020

A utilização de uma aplicação de telemóvel para rastreamento da pandemia de covid-19 pode deixar as pessoas mais “confortáveis”, mas acarreta também riscos sobre a privacidade, defende o Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), Francisco Miranda Rodrigues.

Em entrevista à Lusa, o responsável da Ordem dos Psicólogos assinala que o primeiro impacto de uma solução como esta pode traduzir-se em “algum alívio e uma sensação de segurança” pela ideia de controlo e redução das hipóteses de contágio com o novo coronavírus. Porém, considera que a questão mais preocupante do ponto de vista psicológico “está a montante”, mais concretamente no conhecimento pleno de uma cedência voluntária de dados pessoais e da privacidade.

“Tendemos a considerar que se trata de algo absolutamente consciente e racional e a maior parte das decisões que tomamos no dia a dia não são nem conscientes nem racionais”, afirma, sublinhando: “O que estamos a fazer é reagir a um medo que temos de uma forma emocional, queremos acabar com o desconforto que sentimos pela perceção de risco de contágio que temos e que nos transmite ansiedade e outras sensações que nos criam mal-estar”.

A adoção generalizada de ‘apps’ de rastreamento para o telemóvel carrega também o eterno debate entre privacidade e segurança e Francisco Miranda Rodrigues assume que, do ponto de vista psicológico, há, efetivamente, uma “troca” entre os dois planos. Apesar de estar prevista uma adesão voluntária em Portugal a este sistema de controlo da pandemia, o bastonário sustenta que o cariz opcional “não resolve totalmente o problema” e faz um alerta ao Estado.

“Se nós sentirmos que isto tira um desconforto, isto é muito forte. Não fazemos contas à outra parte, ao que estamos a abdicar. E se a maioria achar isto bem, eu também vou achar bem, porque tendemos a querer fazer parte das maiorias e há um efeito social de grupo. São decisões livres q.b. e é nessas alturas que é importante que o Estado garanta que não há uma utilização abusiva daquilo que são vulnerabilidades do comportamento humano”, observa.

De acordo com o bastonário dos psicólogos, é necessário criar “mais garantias”, obrigando as pessoas a pensar nas situações a que podem estar sujeitas mediante uma aplicação móvel com este propósito, mesmo que funcione por ‘bluetooth’ e não com recurso a geolocalização.

“Se não estivermos alerta para este tipo de situações, mais dificilmente poderemos adotar os comportamentos que nos protejam. Se abdicarmos de certo tipo de garantias e certo tipo de travões, permitindo que enviesamentos possam fluir, estamos a criar condições para que depois não controlemos de que forma é que estas tecnologias são usadas”.

Confrontado com os efeitos na saúde psicológica do regresso a uma normalidade em circunstâncias ainda excecionais e na sequência de dois meses de confinamento, Francisco Miranda Rodrigues reconhece o “impacto” desta nova realidade. Contudo, avisa para as consequências maiores – e já estudadas – que uma nova crise económica pode ter a nível psicológico nos portugueses e a escassez de recursos existentes para enfrentar esse cenário.

“As situações associadas à crise económica têm um elevadíssimo impacto, desde o suicídio, passando pelo aumento de perturbações mentais e por situações que são desvalorizadas e associadas depois a um mal-estar”, realça, apelando a uma mudança na resposta médica: “Seria muito importante que existisse um número de recursos mínimos nos cuidados de saúde primários. O número de psicólogos existentes nos centros de saúde é muitíssimo reduzido”.

Portugal irá adotar em breve o uso de uma aplicação de telemóvel para rastreamento da covid-19. A ‘app’ STAYAWAY COVID deverá ser a escolhida pelo governo, que tem acompanhado nas últimas semanas o trabalho desenvolvido pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), e garantindo o respeito pelas normas do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

Em Portugal, morreram 1.465 pessoas das 33.969 confirmadas como infetadas, e há 20.526 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 392 mil mortos e infetou mais quase 6,7 milhões de pessoas em 196 países e territórios. Mais de 2,8 milhões de doentes foram considerados curados.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

VP Formação distinguida como parceira Premium do OET

VP Formação alcança estatuto de Premium Preparation Partner do Occupational English Test, reconhecendo sete anos de excelência na preparação de profissionais de saúde para certificação internacional

Tecnologia 3D revoluciona cirurgia da coluna em Portugal

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, o Dr. Rui Pinto, um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Patologia de Coluna, destaca a revolução na cirurgia da coluna com a introdução da tecnologia 3D no Hospital de Santa Maria – Porto, primeira unidade na Península Ibérica a dispor deste equipamento inovador.

Farmácias querem ser aliadas no rastreio do cancro e outras doenças

A Associação Nacional de Farmácias (ANF) defendeu hoje a integração das farmácias na rede de rastreios nacional para identificar precocemente doenças, como os cancros gástrico, colorretal, o VIH/Sida ou hepatites virais, e contribuir para aumentar a população elegível rastreada.

MAIS LIDAS

Share This