Máscaras e medo no regresso do maior mercado aberto de Cabo Verde

10 de Junho 2020

Muitas máscaras, pouco distanciamento, desconfiança, medo e negócio ainda fraco no regresso do Sucupira, maior mercado a céu aberto de Cabo Verde, na Praia, após mais de dois meses fechado por causa da pandemia do novo coronavírus. 

Marco Paulo, 37 anos, natural de Tira Chapéu, é lavador de carros no Sucupira há 16 anos, e há pouco mais de dois meses que foi surpreendido pela pandemia do novo coronavírus e pelo estado de emergência decretado em Cabo Verde e teve de ficar esse tempo todo “parado” em casa.

Durante o período de confinamento, Marco Paulo disse à agência Lusa que, além de cestas básicas, recebeu os 10 mil escudos (90 euros) de subsídio, enquadrado nas medidas implementadas pelo Governo para minimizar os feitos da doença no setor informal.

“As coisas não estavam boas e isso foi um grande reforço que ajudou um bocado”, afirmou, referindo que regressou ao serviço há cerca de três semanas, mas ainda reina muita desconfiança e muitas pessoas dão os seus carros para lavar só a parte exterior.

“Ficam com medo e se não tens nada para desinfetar, recusam-se a deixar lavar o interior”, salientou o lavador, garantindo estar “mais seguro” com uso de máscaras, para se prevenir e prevenir os outros, num movimento que volta aos poucos ao mercado e arredores.

O Sucupira, construído há mais de 30 anos anos no bairro da Fazenda, é o maior mercado informal e a céu aberto de Cabo Verde, ocupando uma área de cerca de 15 mil metros quadrados e com quase dois mil comerciantes, entre cabo-verdianos de todas as ilhas e imigrantes africanos.

Em pleno passeio de uma das zonas mais movimentadas da capital cabo-verdiana, Eunice Tavares, mais conhecida por Eurisa, vende saldos há cerca de 10 anos.

Também “nunca” viveu situação idêntica, mas contou que recebeu cestas básicas, usou as suas poupanças e se inscreveu para receber os 90 euros destinado aos trabalhadores informais, mas que ainda não recebeu o dinheiro.

Residente em Ponta d’Água, um dos bairros com mais casos de covid-19 na Praia, a vendedora ambulante disse à Lusa que no regresso ao trabalho teve de usar máscara, lavar as mãos constantemente ou desinfetar com álcool e gel.

“É para tomarmos cuidado porque não sabemos quem está infetado”, disse a jovem vendedora de saldos, que regressou a 02 de junho, a primeira data para a retoma gradual do mercado, depois do estado de emergência na ilha de Santiago, que terminou a 29 de maio, após dois meses.

Eunice Tavares afirmou que o movimento ainda “está fraco” e para chegar aos clientes não consegue respeitar o distanciamento, de pelo menos um metro e meio, tal como acontece por todo o mercado, onde se vê alguns ajuntamentos e pessoas sem máscaras.

“É complicado, porque muita gente não está acostumada, há quem tenha problemas respiratórios, uns ficam sufocados, a reclamar muito. Uns tiram a máscara e colocam na testa, na barbela, mas temos de ajudar o Governo porque a doença está em todo o mundo”, pediu, indicando que também tomas os devidos cuidados no manuseamento das moedas.

Já dentro das bancas, a senhora Maria José, residente no Palmarejo, é vendedora de roupas no Sucupira há 35 anos e também contou como foi “muito difícil” ficar confinada durante dois meses.

“Foi muito aborrecido, cansativo, sem vender nada”, lamentou esta vendedora, que também regressou na semana passada, num plano da autarquia que prevê o funcionamento das bancas de forma faseada de segunda à sábado.

Uma semana depois, a senhora Maria José disse que o movimento continua fraco, e ainda não vendeu praticamente nada, mas salientou que o regresso ao trabalho já é “grande coisa”, mas apelou a todos para se prevenirem e seguirem as recomendações da autoridades de saúde.

Proprietário e condutor de ‘hiace’ (carrinhas de transporte de passegeiros) há 16 anos, Ricardo Furtado, mais conhecido por “Dica”, faz sempre o percurso Praia – Tarrafal, de onde é natural – Praia, recordou à Lusa os dois meses “muito difíceis” que teve de ficar parado por causa do coronavírus.

No regresso paulatino à normalidade, o condutor disse que ainda há muita gente com medo da propagação da doença, pelo que evitam viajar, e sugeriu, por isso, redução dos impostos, já que a lotação das viaturas foi reduzida de 15 para nove lugares.

“Quem movimenta a economia são os condutores, porque quando trazem as pessoas do Tarrafal e levem as pessoas da Praia, elas começam a sentirem-se mais seguras”, mostrou o profissional, notando que a pandemia não vai acabar já e que as pessoas devem aprender a conviver com ela.

“Não é preciso alarmar as pessoas”, disse Ricardo Furtado, à espera de clientes na paragem de hiaces com destino ao Tarrafal, o concelho mais a norte da ilha de Santiago.

O plano da Câmara Municipal prevê ainda um máximo de 70 utentes dentro do mercado, filas à entrada, disponibilização de álcool e gel por parte de agentes da Guarda Municipal e distanciamento de pelo menos dois metros.

A partir de domingo, está prevista o regresso da habitual feira na Avenida cidade de Lisboa, que será fechada ao trânsito por forma a garantir uma melhor arrumação do espaço e o distanciamento mínimo entre os clientes.

No Sucupira pode-se comprar um pouco de tudo, desde roupas, sapatos, produtos artesanais, artigos novos e usados, mobiliário, frutas, legumes, peixe, animais, produtos de beleza, comida, plantas e é um ponto de encontro para muita gente.

Cabo Verde regista um acumulado de 585 casos da doença diagnosticados desde 19 de março, com cinco óbitos, mas 270 já foram dados como recuperados, e há 308 ativos.

A pandemia de covid-19 já provocou mais de 400 mil mortos e infetou mais de sete milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo o balanço feito pela agência francesa AFP.

LUSA/HN

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