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UM

06/12/2020

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UM

12/06/2020 | Opinião

Homeostasia ou homeostase, a partir dos termos gregos homeo, “similar” ou “igual”, e stasis, “estático”, é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar suas funções adequadamente para o equilíbrio do corpo.

Esta é a definição Wikipédia de algo a que assistimos todos os dias de forma mais ou menos constante, a luta de um sistema para voltar ao seu estado “natural”. Depreende-se aqui de estado natural, o estado último, ou estado confortável, mesmo que os estados confortáveis comportem níveis de toxicidade elevada temporária para os próprios organismos.

Muitos dos diferentes sistemas ecológicos, biológicos e sociais que compõe o universo são homeostáticos, mantendo o equilíbrio contrariando qualquer mudança. Sistemas complexos, orgânicos e dinâmicos, caso não sejam bem sucedidos em repor constantemente o equilíbrio, poderão interromper o funcionamento do sistema de forma temporária ou mesmo permanente.

A sociedade humana que habita o planeta terra, que se saiba a única com bom café no universo, é um sistema complexo essencialmente homeostático. Qualquer mudança é desconfortável, demorada e tendencialmente disruptiva. A amálgama de consciências que compõe o sistema, precisa de estímulos e recompensas constantes para mover-se e aceitar novas dinâmicas, realidades ou rotinas.

Uma pandemia não altera tudo. Uma pandemia com a capacidade para matar 1% da humanidade, não tem força suficiente para alterar sistemas inteiros. A sede para voltar ao “normal” é urgente nos diversos agentes e apenas natural, quando dependem absolutamente do “normal” para sobreviver. Eventuais alterações comportamentais levarão ao surgimento de novas dinâmicas, enfraquecimento ou substituição de cadeias e sectores inteiros, no entanto, estou em crer que o sistema vivo central irá manter-se essencialmente inalterado.
Vaticinar-se que uma pandemia altera tudo, previsões de sociedades distópicas com cenários apocalípticos, embora estimulantes do ponto de vista cinematográfico, são essencialmente pouco realistas face ao histórico humano. Esta espécie resiliente que habita este terceiro calhau a contar do sol, abria quiosques e cafés no meio de bombardeamentos e ataques aéreos há menos de 100 anos, cavava trincheiras e sepultou milhares de corpos enquanto inventava formas de entregar bilhetes e cartas de amor.

A gripe de 1918, responsável por milhões de mortos, foi também a responsável pelo surgimento das primeiras redes de saúde públicas e a criação de agências internacionais de saúde, reforçando a cooperação entre a comunidade científica dos países. A forma como o império britânico lidou com a Influenza, foi determinante na ascenção de Ghandi e reforço do sentimento anticolonialista, resultando na libertação de milhões de escravos.

Tal como a peste negra derrubou o feudalismo no séc XIV, a razia na força laboral no pós-guerra e gripe espanhola, derrubou barreiras à entrada da mulher em centenas de diferentes postos de trabalho, até então apenas reservados a homens. Face à disrupção, o sistema económico e social adaptou-se, reinventou-se, ganhou novas valências e deu um salto nos direitos humanos. A homeostáse e equilíbrio do sistema, corrigiu assimetrias artificiais criadas pelo homem.

Embora por vezes não pareça, estamos em 2020. A ciência já desmontou praticamente todas as teorias sociais disparatadas, todas as falácias anti-semitas, todos os argumentos separatistas raciais, todos os fantoches e homens de palha. Com ou sem redes sociais alimentadas por lógicas manipuladoras, só consome lixo quem quiser. A batalha da desinformação ganha-se com informação, a batalha da propaganda ganha-se com educação.

Testemunhamos agora o tumulto social alimentado por meses de confinamento, o rastilho de mais uma morte disparatada, a necessidade sistémica de corrigir centenas de anos de injustiças. Que a COVID-19 fique na história como o salto quântico para acabar com o racismo. Que a resistência não-violenta de Ghandi nascida da última Influenza, seja a inspiração necessária para relembrar que as batalhas ao ódio e intolerância ganham-se na inteligente resiliência e estoicidade de valores.

Biologicamente, socialmente, com ou sem pandemia, fazemos todos parte do mesmo sistema. Somos células do mesmo organismo.
Que seja chegado o tempo, de uma vez por todas, percebermos que estamos todos ligados.
Para o melhor e para o pior, somos um.

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