Ajudas humanitárias devem garantir a dignidade e saúde mental

20 de Julho 2020

A ONG internacional Ajuda em Ação defende que as respostas de emergência devem garantir a dignidade e saúde mental das pessoas que pedem ajuda. A entrega de vouchers é uma das estratégias adotadas pela instituição, uma vez que promove a autonomia e estimula a escolha de “melhores” decisões.

Com o objetivo de promover melhorar o tipo de ajuda humanitária dada aos países mais pobres, a instituição criou o espaço Conversa Online. O arranque da iniciativa ficou marcado pelo debate da “Dignidade na resposta de emergência”. De acordo com os oradores, a empatia e a dignidade são dois “ingredientes” que não podem faltar numa resposta de emergência.

De acordo com o psicanalista e psicoterapeuta, António Alvim, “numa emergência, quando ajudamos alguém, é muito natural que sintamos o nosso próprio desamparo espelhado no outro. Aí conseguimos empatizar com o outro, sentir a sua dor e ajudar com dignidade”. Colocar-se no lugar do outro, ouvir e perceber as suas necessidades é um processo essencial, do ponto de vista dos especialistas, para que a resposta de emergência seja eficaz e respeite a dignidade de quem é ajudado.

Pedro Krupenski, presidente da mesa da Assembleia Geral da Plataforma Portuguesa das ONGD, apresentou alguns exemplos que demonstram como, por vezes, nestas situações, as pessoas têm dificuldade em pôr-se no lugar do outro e, por isso, a ajuda que prestam acaba por não se adequar às verdadeiras necessidades e ao contexto das pessoas ajudadas.

Em situações de emergência humanitária, “a nossa tarefa é perceber quais são as opiniões das pessoas, a nossa responsabilidade é escutar e amplificar a sua voz”, reitera Sophia Büller, coordenadora de Ajuda Humanitária na Ajuda em Ação Moçambique.

De acordo com a experiência dos participantes no debate, a empatia por parte da pessoa que está a ajudar permite que seja garantida a dignidade da ajuda prestada.

Para garantir esse mesmo princípio, a Ajuda em Ação decidiu utilizar cartões ou vochers como uma ferramenta de incentivo à autonomia e à tomada de decisões. No caso de Camarate, a instituição desenvolveu uma ação humanitária devido às necessidades impulsionadas pela pandemia, foram utilizados cartões de apoio alimentar. Estes cartões foram distribuídos por 71 famílias, num total de 264 beneficiários, ligadas ao Agrupamento de Escolas de Camarate, ao longo de três fases de entregas e permitiram que estas satisfizessem as suas necessidades mais básicas comprando os produtos que precisavam num supermercado local.

Segundo Mário Rui, através desta iniciativa, a Ajuda em Ação procurou promover o conceito de dignidade enquanto forma de autonomia, para que os beneficiários pudessem tomar as melhores decisões para si e para a sua família.

A medida é cada vez mais adotada pelas organizações internacionais em contextos de emergência por considerarem que garante a dignidade das pessoas que pedem ajuda, tornando-as protagonistas do seu próprio desenvolvimento. Ainda assim, como alerta Sophia Büller, nem sempre é possível implementar este tipo de ferramentas. A coordenadora de Ajuda Humanitária da Ajuda em Ação Moçambique assinala que a distribuição de cartões ou vouchers “não é aplicável a todos os contextos de emergência, pois significa que tem de existir um mercado. Se estivermos perante um tsunami ou um ciclone que interrompe o normal funcionamento dos mercados, pode não funcionar”.

Quando possível de aplicar, Sophia Büller acredita que esta poderá ser mesmo uma boa forma de dignificar a ajuda prestada. “Se estamos a falar de dar a voz às pessoas que perderam a sua e dar uma dignidade que está muito ligada à tomada de decisões sobre a sua vida, acho que esta é uma das ferramentas mais eficazes”, começa por explicar, acrescentando que, “em 98% dos casos, as pessoas estão a utilizar o dinheiro realmente para as necessidades básicas e até para poupar”. Mário Rui confirma esta ideia, pela sua experiência em Camarate: “às vezes achamos que estas pessoas não fazem as opções corretas, mas a verdade é que elas as fazem de acordo com as suas necessidades”.

Por outro lado, o psicanalista António Alvim destacou que a dignidade também assenta numa maior atenção à saúde mental: as “ONG também dão saúde mental, exatamente porque este tipo de ajuda, feita assim com respeito, com empatia, é uma ajuda que narcisa, que confirma o narcisismo do outro”.

Na mesma linha de pensamento, Mário Rui, alerta para a importância das comunidades se organizarem para que, em emergências futuras, sejam capazes de garantir as respostas que precisam de acordo com as suas necessidades e com a dignidade que estas exigem.

A Conversa Online dedicada à “Dignidade na Resposta de Emergência” pode ser vista na íntegra Aqui. Esta foi a primeira sessão de um ciclo de conversas online promovido pela ONG internacional Ajuda em Ação que terão lugar mensalmente em julho, agosto e setembro.

A próxima conversa online deverá debruçar-se sobre a importância do brincar na rua e como a Covid-19 veio afetar esta dinâmica e trazer novas implicações para o desenvolvimento das crianças.

PR/HN/Vaishaly Camões

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Promessas por cumprir: continua a falta serviços de reumatologia no SNS

“É urgente que sejam cumpridas as promessas já feitas de criar Serviços de Reumatologia em todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde” e “concretizar a implementação da Rede de Reumatologia no seu todo”. O alerta foi dado pela presidente da Associação Nacional de Artrite Reumatoide (A.N.D.A.R.) Arsisete Saraiva, na sessão de abertura das XXV Jornadas Científicas da ANDAR que decorreram recentemente em Lisboa.

Consignação do IRS a favor da LPCC tem impacto significativo na luta contra o cancro

A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) está a reforçar o apelo à consignação de 1% do IRS, através da campanha “A brincar, a brincar, pode ajudar a sério”, protagonizada pelo humorista e embaixador da instituição, Ricardo Araújo Pereira. Em 2024, o valor total consignado pelos contribuintes teve um impacto significativo no apoio prestado a doentes oncológicos e na luta contra o cancro em diversas áreas, representando cerca de 20% do orçamento da LPCC.

IQVIA e EMA unem forças para combater escassez de medicamentos na Europa

A IQVIA, um dos principais fornecedores globais de serviços de investigação clínica e inteligência em saúde, anunciou a assinatura de um contrato com a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) para fornecer acesso às suas bases de dados proprietárias de consumo de medicamentos. 

SMZS assina acordo com SCML que prevê aumentos de 7,5%

O Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) assinou um acordo de empresa com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que aplica um aumento salarial de 7,5% para os médicos e aprofunda a equiparação com a carreira médica no SNS.

“O que está a destruir as equipas não aparece nos relatórios (mas devia)”

André Marques
Estudante do 2º ano do Curso de Especialização em Administração Hospitalar da ENSP NOVA; Vogal do Empreendedorismo e Parcerias da Associação de Estudantes da ENSP NOVA (AEENSP-NOVA); Mestre em Enfermagem Médico-cirúrgica; Enfermeiro especialista em Enfermagem Perioperatória na ULSEDV.

DGS Define Procedimentos para Nomeação de Autoridades de Saúde

A Direção-Geral da Saúde (DGS) emitiu uma orientação que estabelece procedimentos uniformes e centralizados para a nomeação de autoridades de saúde. Esta orientação é aplicável às Unidades Locais de Saúde (ULS) e aos Delegados de Saúde Regionais (DSR) e visa organizar de forma eficiente o processo de designação das autoridades de saúde, conforme estipulado no Decreto-Lei n.º 82/2009.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights