Com cerca de 1,4 mil milhões de habitantes, a China é o país mais populoso do mundo, pelo que a segurança no fornecimento de alimentos é crucial para o país, que no início da década de 60 registou dezenas de milhões de mortos devido à fome.
No entanto, devido ao trepidante ritmo de desenvolvimento económico, a China passou para um período de consumo excessivo em poucas décadas.
Entre as classes mais abastadas tornou-se frequente a realização de banquetes sumptuosos, com inúmeros pratos, e onde a tradição local exige que, no final da refeição, se deixe comida no prato, simbolizando assim que se comeu o suficiente.
Este mês, Xi Jinping considerou este hábito de desperdiçar comida “chocante e preocupante”.
“Apesar das boas safras que o nosso país colhe todos os anos, é preciso manter o sentido de crise em matéria de segurança alimentar”, avisou.
As palavras do chefe de Estado, que se traduziram numa campanha junto de associações profissionais do setor da restauração para que nos banquetes se sirvam menos pratos e doses mais pequenas, levantaram questões sobre o estado da segurança alimentar no país.
Este verão, as maiores inundações em meio século destruíram enormes áreas de terras aráveis na bacia do rio Yangtse, considerada a cesta de arroz do país.
No primeiro trimestre do ano, a pandemia da Covid-19 interrompeu as cadeias de fornecimento, face às restritas medidas de prevenção para travar a propagação da doença.
Isto já depois de um surto de peste suína africana ter resultado na morte de milhões de porcos na China, duplicando o preço da carne de porco, a mais consumida na dieta chinesa.
Outros problemas de longo prazo, como a urbanização galopante, que destrói terras aráveis, e o êxodo rural, que retira mão-de-obra ao interior do país, contribuem para o agravar da situação.
Para alimentar a maior população do mundo, Pequim tornou-se o maior importador mundial de produtos alimentares.
A China é, por exemplo, o principal cliente da soja brasileira. No primeiro semestre deste ano, o país asiático comprou mais de 70% do total da soja exportada pelo Brasil, ascendendo a 50 toneladas – um novo recorde.
Mas as relações entre Pequim e alguns dos seus principais fornecedores de bens agrícolas estão a deteriorar-se rapidamente, sobretudo com a Austrália, o Canadá e os Estados Unidos.
A China boicotou algumas das importações destes países, como retaliação em disputas diplomáticas, e trava uma prolongada guerra comercial com os Estados Unidos.
O regime chinês garantiu, no entanto, que tem assegurada a segurança alimentar do país.
“Há quem questione se vai haver escassez este ano (…) Na verdade, não há motivo para preocupação”, escreveu a Academia Chinesa de Ciências Sociais, num relatório difundido em meados deste mês.
O mesmo órgão público advertiu, porém, que o “deficit alimentar” do país vai aumentar nos próximos anos, a menos que sejam feitas reformas agrícolas.
No longo prazo, a China deve proteger as suas terras aráveis do apetite das construtoras e melhorar a situação dos seus camponeses, para os incentivar a permanecer no campo, observou o pesquisador Li Guoxiang, do Instituto de Desenvolvimento Rural.
Segundo a imprensa estatal, os agricultores estão a apostar num aumento dos preços, pelo que têm vindo a acumular bens agrícolas, exacerbando os desequilíbrios do mercado.
Daí a necessidade de reduzir o desperdício e o consumo, num país onde a obesidade, antes um fenómeno desconhecido, mais do que triplicou entre 2004 e 2014.
Com a comida que desperdiça anualmente, a China teria o suficiente para alimentar a Coreia do Sul, por exemplo.
As palavras de Xi Jinping geraram várias iniciativas, como a de um restaurante em Changsha, no centro do país, que convidou os clientes a pesarem-se antes de pedirem o menu, adaptado a ordem ao seu possível excesso de peso.
Outros estabelecimentos impuseram um “depósito” aos seus clientes, que só é devolvido se estes terminarem o que têm no prato.
LUSA/HN
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