Doença rara faz com os doentes vejam rostos a “derreter”

4 de Setembro 2020

Um estudo internacional conduzido por investigadores portugueses e norte-americanos analisaram o cérebro de um homem de 59 anos identificado com uma lesão extremamente rara que faz com que veja caras a “derreter”. No mundo são conhecidos apenas 25 casos.

O estudo, já publicado na revista científica Current Biology, foi conduzido por investigadores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), em colaboração com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e com as instituições americanas Dartmouth College e Massachusetts Institute of Technology (MIT).

A equipa estudou um homem de 59 anos, identificado como A.D., que apresenta uma condição neurológica designada hemi-prosopometamorfopsia, uma lesão extremamente rara, sendo conhecidos cerca de 25 casos em todo o mundo, que leva a que a perceção de faces, apesar de ser algo que temos de fazer continuamente, seja geradora de grande desconforto.

O investigador principal do estudo e diretor do Proaction Lab da UC, Jorge Almeida, explica que a doença “caracteriza-se geralmente pela perceção de uma distorção nos olhos, nariz e/ou boca apenas num dos lados da face – estas partes da face parecem estar a descair, quase como se estivessem a derreter. Nada mais além de imagens de faces causa estas distorções”.

Os especialistas referem, ainda, que tal como outros pacientes com hemi-prosopometamorfopsia, as distorções vivenciadas pelo paciente A.D. foram causadas por uma lesão nos feixes de matéria branca que ligam as áreas neuronais dedicadas às faces que estão no hemisfério esquerdo com as que estão no hemisfério direito.

Entre as conclusões obtidas no estudo, os investigadores revelam que existe uma semelhança entre a forma como o nosso cérebro e as novas tecnologias fazem o reconhecimento das faces. “Para vermos e reconhecermos faces, o nosso cérebro usa um processo semelhante aos sistemas de reconhecimento digital de faces usados pelas plataformas Facebook e Google”.

“No processo de reconhecermos uma face que estamos a ver, comparamos esta face com as que temos na nossa memória. Assim, todas as vezes que vemos uma face, o nosso cérebro cria uma representação dessa face e alinha-a com um modelo que temos em memória”, esclarece Jorge Almeida.

Foi, também, possível mostrar que estas representações de faces estão presentes nos dois hemisférios do cérebro e que as representações das metades direita e esquerda das faces são dissociáveis. Assim, esta investigação «veio não só aumentar o conhecimento sobre o funcionamento do cérebro, bem como apoiar com evidência científica uma das metodologias de reconhecimento facial mais usadas atualmente», acrescenta.

Uma das experiências realizadas prendia-se com a apresentação de imagens em diferentes perspetivas (de perfil esquerdo, de frente e de perfil direito). O paciente indicou que os olhos, boca e/ou nariz das faces apresentadas pareciam estar descaídas. Os investigadores verificaram que nenhuma outra deformação foi reportada quando foram apresentadas imagens que não fossem faces (automóveis, casas, etc).

Numa outra experiência, os investigadores expuseram imagens de faces em formas muito distintas: as metades esquerda e direita das faces em separado, em ambos os lados do campo visual (direito e esquerdo) e rodadas a 90, 180 e 270 graus.

Independentemente de como as faces eram apresentadas, A.D. continuou a reportar que as distorções afetavam as mesmas partes da face, representadas a vermelho na imagem abaixo.

Mesmo quando a face era invertida (boca em cima e olhos em baixo), o paciente via as distorções agora no lado esquerdo. Continuava a ser o olho direito que parecia estar a “derreter”, mesmo que na face invertida este esteja localizado no lado esquerdo da face.

O investigador principal conclui que apesar das imagens serem apresentadas em diferentes ângulos de rotação, o doente continuava a ver distorcida a parte da face direita. “A única forma de explicar este resultado é que ao processarmos faces, rodamo-las e criamos um modelo centrado na face e não no observador. Desta forma, o olho direito neste modelo centrado na face é representado sempre como o olho direito, mesmo que este esteja no nosso campo visual esquerdo como quando vemos uma face invertida. Este modelo centrado na face é depois comparado com um modelo já existente”, conclui Jorge Almeida.

NR/HN/Vaishaly Camões

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