Estudo confirma impacto da desinformação sobre a Covid-19 a partir de fontes credíveis

7 de Setembro 2020

Em março, quando começou a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 na Europa, um tweet do ministro francês da Solidariedade e Saúde, Olivier Véran, aconselhava os doentes com Covid-19 a não tomarem ibuprofeno, um medicamento anti-inflamatório com propriedades analgésicas e antipiréticas. Chegou mesmo a advertir que o seu consumo aumentava a mortalidade entre os doentes, apesar de não haver evidências científicas nesse sentido. Esta informação deu origem a uma notícia falsa que se espalhou por vários países.

Sergi Xaudiera, estudante de doutoramento na Universidade Aberta da Catalunha, e Ana Sofía Cardenal, investigadora da Faculdade de Direito e Ciência Política, estudaram a trajetória digital desta informação não verificada, através do Twitter na Alemanha, França, Espanha, Holanda e Itália. Os resultados mostram que o impacto da desinformação é imenso quando fontes credíveis participam na propagação da notícia. O trabalho, que analisa o caso da Catalunha, destaca também a importância dos canais locais para difundir ou parar a difusão da desinformação, uma vez que, de acordo com as conclusões do estudo, são os canais regionais que têm maior impacto em cada território.

A investigação, publicada na “Harvard Kennedy School (HKS) Misinformation Review”, da Universidade de Harvard, faz parte da tese de doutoramento de Sergi Xaudiera, que estuda casos de desinformação em situações de emergência. “Até agora, a maioria das campanhas de desinformação eram dirigidas por utilizadores comuns ou meios de comunicação social partidários, mas a relevância deste caso reside no facto de serem representantes políticos, como o ministro da saúde francês, e meios de comunicação social respeitáveis, que atuam como porta-vozes e amplificam a audiência desta história”, explica o investigador.

O detonador da notícias enganosa sobre o ibuprofeno foi uma mensagem no Twitter do ministro francês, mas os investigadores da Universidade Aberta da Catalunha rastrearam  o percurso pública da história até uma mensagem de voz do WhatsApp, na Alemanha. Depois, a partir da pegada digital na plataforma de microblogs, também analisaram como a história se espalhou, durante duas semanas, desde o país de origem até aos utilizadores da Holanda, França e finalmente Espanha e Itália, assim como o papel que fontes credíveis, tais como representantes políticos respeitados e meios de comunicação social, desempenharam na promoção da desinformação.

A importância das fontes oficiais é patente nas diferenças em termos da expansão da informação entre a França e a Alemanha. “Apesar de a mensagem ter tido origem no país germânico, não teve muito sucesso: a mensagem de voz foi transmitida a vários utilizadores, mas como o autor não pôde ser identificado, perdeu credibilidade e a conversa global consistiu essencialmente em desacreditá-lo e fazer piadas sobre o assunto”, salientam os autores da pesquisa. Em contrapartida, em França, onde a mensagem foi promovida por uma fonte credível, o impacto da desinformação foi o maior em relação aos países estudados, e quase não há conversas que desmintam a informação. De facto, o trabalho mostra que, após o tweet do ministro, outras fontes fiáveis, como os meios de comunicação social, reproduziram a notícia sem fazer quaisquer verificações, o que contribuiu para a transmissão ainda maior da informação.

“A desinformação promovida por fontes credíveis é particularmente perigosa porque, sendo fontes de confiança, as pessoas têm um menor grau de reflexão e tendem a acreditar nas recomendações sem as questionar. Além disso, este tipo de ação durante situações de emergência é especialmente sensível, uma vez que o seu tratamento incorreto pode ter consequências irreversíveis”, salienta o investigador.

Os restantes territórios estudados situam-se entre estes dois casos extremos e combinam mensagens que reproduzem a notícias enganosa com outras que negam a sua veracidade. Em Espanha e Itália, os media e os jornalistas foram os primeiros a denunciar a desinformação, citando as declarações do ministro francês para desacreditá-las. Uma segunda vaga apareceu em todos os territórios a 18 de março, que foi logo rejeitada pelos utilizadores. Em Itália, contudo, a história voltou a circular com força entre os dias 20 e 23 de março.

A trajetória desta informação demonstra a importância dos governos terem uma presença ativa nas redes sociais. “A escuta ativa para detetar conversas sobre a gestão de emergências permite-nos agir rapidamente quando informações falsas ganham um certo grau de visibilidade”, explica Sergi Xaudiera.

Os investigadores também verificaram que, embora organismos supragovernamentais, como a Organização Mundial de Saúde e a Agência Europeia de Medicamentos, tenham descartado a veracidade da informação, a velocidade da sua difusão não diminuiu até os canais oficiais de cada região a desmentiram. De acordo com os autores, isto indica uma forte dimensão regional na divulgação de informação.

Para avaliar o efeito das fontes oficiais locais para desacreditar notícias falsas, os investigadores estudaram o caso da Catalunha. Os resultados mostram que a maioria dos usuários catalães que contribuíram para a divulgação de informação não verificada, não estavam a seguir fontes oficiais na altura da publicação. Por outro lado, a grande maioria das pessoas que partilharam mensagens que contribuíram para desacreditar a desinformação, seguiram os canais oficiais.

“A desinformação tem de ser combatida ao nível local. Quando uma falsa narrativa circula numa região, os organismos locais devem ajudar a verificar e refutar a informação quando for necessário. Verificámos que seguir os canais oficiais locais tem um efeito positivo, mas quando estes canais são os que promovem a informação falsa, a informação cuidadosa pode tornar-se invisível para os cidadãos desse território”, explica o investigador.

O papel das redes sociais é especialmente complicado em casos como este. “As plataformas sociais (neste caso,  o Twitter) podem e devem fazer mais para evitar que circule informação falsa nos seus ecossistemas, mas o caso em apreço é especialmente crítico, uma vez que foram canais credíveis e verificados pela plataforma que disseminaram a informação incorreta”.

Perante casos de desinformação como o caso do ibuprofeno, os investigadores recomendam seguir as fontes oficiais, ter uma atitude crítica em relação à informação que recebemos, e verificá-la em mais do que uma fonte. Sempre que possível, de origem diferente e geograficamente distante. Além disso, a nível institucional, propõem um quadro de cibersegurança a partir de uma abordagem centrada na informação e na comunicação. “Até agora, a cibersegurança tem sido abordada apenas de um ponto de vista tecnológico, mas estes casos mostram que a ameaça tem uma dimensão que vai além da tecnologia. Os aspetos sociais também devem ser estudados”, conclui Sergi Xaudiera.

NR/HN/Adelaide Oliveira

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