São sintomas como o cansaço, aperto no peito e alterações do ritmo cardíaco que mais se registam nos pacientes, e que dificultam o diagnóstico aos médicos cardiologistas, para o qual o ecocardiograma pode ser um fator decisivo.
Em plena pandemia, o Dr. Nuno Lousada, cardiologista do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, ressalta o imenso esforço que tem sido feito nas unidades de cuidados para tratar estes doentes, e garante que “os doentes estão contentes com esse trabalho”.
HealthNews: No que é que consiste a CTEPH e como é que se carateriza?
Dr. Nuno Lousada: A hipertensão pulmonar é uma alteração hemodinâmica que tem várias causas, e uma dessas causa é o tromboembolismo pulmonar. Portanto, os vasos arteriais pulmonares vão ter obstruções de coágulos, geralmente após um episódio de tromboembolismo pulmonar agudo, e essa situação leva a um aumento de pressão da artéria pulmonar que obriga a um maior esforço do ventrículo direito, que suscitam um conjunto de alterações a nível dos vasos pulmonares e do ventrículo direito e que leva ao aparecimento da hipertensão pulmonar, que é uma definição hemodinâmica atribuida quando a pressão média da artéria pulmonar excede os 20mm de mercúrio.
Entretanto, é evidente que, e felizmente, nem todas as ígneas pulmonares levam a hipertensão pulmonar. Apenas uma muito pequena percentagem destas situações, que nem está totalmente calculada mas que deve andar pelo 1% o 2%, é que vai de facto da tromboembolia pulmonar aguda a esse tromboembolismo pulmonar.
HN – E como é que alguém contrai CTEPH?
NL – Vai contraindo porque tem uma história de embolia pulmonar e, passada essa embolia, a maior parte das pessoas – principalmente se fizer uma boa anticoagulação – vê-se livre dos trombos e com o assunto resolvido. Mas há pessoas a quem, passados uns meses, os trombos tronam-se crónicos, e levam a situações em que a pressão da artéria pulmonar – a pressão arterial pulmonar – vai levar à tal situação de hipertensão.
Pensa-se que, por exemplo, determinadas situações de neoplasia, determinadas doenças do tecido conjuntivo e outros fatores levem a que em algumas pessoas não haja esta resolução do problema agudo.
Quando uma pessoa tem uma embolia aguda não vamos [médicos] logo fazer uma avaliação. Deixamos passar uma série de meses, e só se a situação não se resolver é que podemos considerar que estamos a passar de uma situação aguda para uma situação crónica.
HN – Vi os sintomas de CTEPH descritos como “respirar pela boca apenas por uma palhinha”. Quais são os sintomas mais relatados e onde encaixa esta descrição?
NL – Os sintomas são sintomas crónicos, porque quando há a situação crónica o desenvolvimento da hipertensão pulmonar é que vai levar ao aparecimento desses sintomas. E, portanto, vamos ter sintomas de cansaço – a pessoa começa progressivamente a sentir-se mais cansada, e os esforços que fazia naturalmente custam-lhe agora mais; sintomas de falta de ar; alterações do ritmo cardíaco, com palpitações; a própria hipertensão pulmonar pode levar a uma sensação de peso no peito ou um cansaço mais refletido no peito; e quando as situações se tornam muito graves, a pessoa pode sentir que vai desmaiar durante o esforço.
HN – Outro dos grandes problemas da CTEPH parece ser a falta de diagnósticos atempados. Porque é que é tão difícil diagnosticar esta doença, e de que forma pode o diagnóstico influenciar o resultado do tratamento no doente?
NL – Começando pelo fim, quanto mais tardio for o diagnóstico, mais a doença avança e mais o fator de hipertensão pulmonar e as pressões elevadas nas artérias pulmonares vão fazer mal ao coração, designadamente ao ventrículo direito. As situações vão-se tornando cada vez mais complicadas. Portanto, quanto mais cedo for o diagnóstico, menos lesões e problemas houve da situação base.
O diagnóstico é difícil porque a pessoa apresentar cansaço e uma respiração dificultada não são sintomas comuns apenas a esta doença. Por começarem as pernas a inchar a uma pessoa ou alterações do ritmo cardíaco, essas palpitações, não são sintomas atípicos. E, portanto, se o médico que observa o doente não pensar que pode haver uma situação de hipertensão pulmonar elevai procurar outras doenças cardíacas. Por isso é que chamamos sempre muita atenção para que quando haja estes sintomas se peça um ecocardiograma – o exame de eleição para fazer uma chamada de atenção a uma possível situação de hipertensão pulmonar e às tais alterações nas cavidades direitas.
A partir daí há todo um trabalho de diagnóstico. Agora, claro que também o eletrocardiograma pode dar sinais de hipertrofia da aurícula direita, mas o ecocardiograma doppler é que é o exame de eleição para perante sintomas que não são específicos, e que chama a atenção para a hipertensão pulmonar como a causa desses sintomas.
A partir de aí sabemos que a hipertensão pulmonar pode estar relacionada com a história clinica da pessoa. O paciente diz-nos que teve uma tromboflebite, um problema de varizes… e então vamos fazer um outro exame – uma angio tac pulmonar, podendo antes fazer um outro exame de screening – uma cintigrafia de ventilação profusão – onde vemos que há zonas do pulmão que estão bem ventiladas, mas onde não há grande perfusão e por isso o sangue não chega. Isso também nos faz suspeitar do diagnóstico.
HN – Parece-me que todos estes exames são apenas feitos a pedido do médico, e são bastante específicos, o que dificulta a deteção da condição. É isso?
NL – Exatamente. E para aqueles sintomas há uma grande importância do ecocardiograma. O ecocardiograma é que nos vai ajudar a encaminhar para o diagnóstico correto.
HN – Uma das fontes que consultei quando me preparei para esta entrevista apontava para a CTEPH como a única forma de hipertensão pulmonar curável, o que parece um contrassenso visto que o próprio nome inclui a palavra crónica.
NL – É verdade, mas ela é curável porquê? Porque hoje há cirurgias que conseguem praticamente retirar esses trombos. É uma cirurgia que se chama tromboendarterectomia pulmonar, porque além do trombo vai atuar na parede dos vasos pulmonares. Se o cirurgião for competente e conseguir fazer uma cirurgia completa pode haver uma normalização das pressões na artéria pulmonar, e aí podemos dizer que é curável. Mas atenção, este paciente vai ficar anticoagulado para toda a vida, porque tem sempre o risco de voltar a ter um novo episódio.
HN – E esta cirurgia pode ser feita à maior parte destes doentes, ou existem critérios de exclusão bastante fortes?
NL – É evidente que esta é uma cirurgia complexa, que obriga a uma preparação grande e, evidentemente, se estivermos a falar de um doente num estado grande de fragilidade e com comorbidades graves pode não ter condições para suportar a cirurgia. Tem que haver essa avaliação para ver se a cirurgia é possível e se o doente tem condições para a fazer.
HN – Para concluir. Vivemos uma situação atípica com a pandemia de Covid-19 e queria perguntar-lhe como é que a situação atual afeta estes doentes.
NL – A nossa experiência é que dos doentes que fazem tratamentos específicos de hipertensão pulmonar, só tivemos um diagnosticado com Covid-19. Temos mantido um grande contacto com os doentes através da equipa médica e de enfermagem, de forma presencial, mas também telefónico e de telemedicina. Temos que lutar com outros doentes, porque têm medo de vir ao hospital, e temos que lhes dar essa confiança e resolver os problemas sempre que possível. Existe um sistema de apoio farmacêutico em que para determinados medicamentos o doente não precisa de vir até Lisboa, porque a farmácia da freguesia onde reside vai ter os medicamentos. Tem sido feito um grande esforço e para já temos sentido que os doentes estão também contentes com esse trabalho.
Entrevista de João Ruas Marques
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