Motivação é maior quando as medidas contra a Covid-19 são voluntárias

29 de Dezembro 2020

Um estudo da Universidade de Konstanz mostra que a motivação voluntária para cumprir as medidas contra a Covid-19 é relativamente elevada na Alemanha mas pode ser minada pela obrigatoriedade.

As políticas de contenção da pandemia de Covid-19 exigem uma cooperação generalizada para serem bem sucedidas. A população alemã é mais propensa a seguir essas medidas quando são voluntárias ou quando são obrigatórias? Katrin Schmelz, economista comportamental e psicóloga da Universidade de Konstanz e do Instituto de Economia de Thurgau, investigou essa questão.

Para isso, contou com um programa de investigação em larga escala, realizado no contexto do “Cluster of Excellence – The Politics of Inequality” da Universidade de Konstanz, no final do primeiro confinamento na Alemanha (primavera de 2020). Os resultados foram publicados no “Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS)”, e estão online desde 21 de dezembro de 2020.

Cerca de 5.000 alemães foram inquiridos sobre se concordavam limitar os seus contactos e viagens, usar máscara facial, utilizar uma app de rastreio de contactos e tomar a vacina, se essas medidas fossem fortemente recomendadas pelo governo mas continuassem a ter caráter voluntário, ou se fossem tornadas obrigatórias.

A literatura existente aponta em duas direções: por um lado, as medidas obrigatórias poderão receber mais apoio, uma vez que os indivíduos têm a certeza que os outros também seguem a lei. Por outro lado, medidas impostas  podem minar a motivação intrínseca daqueles que assumem a sua responsabilidade e estão dispostos a cooperar voluntariamente.

O resultado da investigação revela que o apoio global às medidas voluntárias é relativamente elevado. No entanto, pelo menos 25% dos entrevistados expressam aversão ao controlo – ou seja, menor concordância com uma medida obrigatória, em comparação com outra fortemente recomendada mas voluntária.

Especialmente nos casos das app de rastreio de contactos e da vacinação, a concordância média para seguir estas medidas foi maior se implementadas numa base voluntária em vez de obrigatória. O mesmo sucedeu, embora em menor medida, na limitação de contactos. Em contrapartida, a concordância relativamente ao uso de máscara e à limitação de viagens foi igual em ambas as circunstâncias, ou seja, independentemente dessas medidas serem voluntárias ou obrigatórias.

O que determina que os indivíduos reajam negativamente ao controlo do governo e às medidas obrigatórias? “A confiança no governo e a veracidade das suas informações desempenham um papel importante na pandemia do coronavírus”, resume Katrin Schmelz. “Quanto menos as pessoas confiam, mais as políticas obrigatórias podem destruir a motivação voluntária”.

A investigadora identificou um segmento específico da população que expressa menos resistência às medidas obrigatórias e ao controlo estatal: indivíduos que cresceram na antiga República Democrática da Alemanha (RDA).

A hipótese da Dra. Katrin Schmelz de que poderia haver uma “diferença Leste-Oeste” foi a sua grande motivação para realizar este estudo. Anteriormente, já tinha utilizado uma sondagem online para verificar como as pessoas que passaram por diferentes sistemas de governo (na Alemanha Oriental e Ocidental) reagem ao controlo do Estado. Os resultados desse trabalho foram confirmados na atual pesquisa sobre as medidas anti-Covid-19: Indivíduos (como a própria autora) que cresceram na antiga RDA respondem de forma diferente à imposição de medidas pelo Governo, em comparação com os que cresceram na Alemanha Ocidental.

A diferença entre o Oriente e o Ocidente foram evidentes: os alemães orientais que viveram sob o governo da RDA expressaram menos oposição às políticas obrigatórias do que os seus pares do Ocidente em relação às vacinas, restrições de viagens e restrições de contactos. Da mesma forma, no caso da aplicação de rastreio de contactos, a app tem menos implicações negativas na motivação voluntária entre os entrevistados que cresceram na RDA e estão familiarizados com outras medidas de vigilância. No entanto, não há diferença entre o Leste e o Oeste em relação às máscaras – nem os alemães orientais nem os ocidentais têm qualquer experiência anterior com tal restrição à sua liberdade pessoal. A diferença Leste-Oeste desaparece na geração mais jovem que cresceu numa Alemanha unificada.

Os resultados deste estudo fornecem outros dados que podem ser utilizados como base para as decisões sobre medidas anti-Covid-19, pois revelam a percentagem de cidadãos motivados para cumprir uma medida voluntariamente ou até que ponto essa mesma medida pode ter implicações na sua motivação e provocar resistências. Estes dados precisam de ser avaliados em relação a outros aspetos, especialmente no que diz respeito ao nível de conformidade necessário para que uma medida seja bem sucedida e até que ponto pode ser realmente exequível.

Por exemplo, os 60% da população que usariam máscara facial voluntariamente não seriam suficientes para garantir o êxito dessa medida.

Além disso, o estudo não fornece muitas provas de que a obrigatoriedade de usar máscara diminua a motivação voluntária. Isso, juntamente com a viabilidade da execução, indica que a sua aplicação pode ser bastante eficaz. Considerações semelhantes aplicam-se às medidas que limitam as viagens.

A situação parece ser bem diferente no caso das app de rastreio de contactos: a aplicação encontraria forte oposição em 40% dos inquiridos. Ao mesmo tempo, é difícil controlar se as pessoas realmente usam a aplicação. “Uma app de contacto de rastreios é uma medida que provoca uma considerável aversão pelo controlo implícito e não pode ser implementada totalmente na Alemanha. Assim, faz pouco sentido torná-la obrigatória”, diz Katrin Schmelz.

Quanto às vacinas, 50% a 65% dos entrevistados concordaram “plenamente” ou de “alguma forma” em tornar essa medida voluntaria. “Supondo que menos de 70% da população precise de ser vacinada para alcançar a imunização de grupo, se as vacinas forem direcionadas para aqueles que correm maior risco de serem infetados, isso pode ser suficiente”, conclui a investigadora. “Os resultados do estudo mostram que o apoio, no caso da vacina ser obrigatória, é muito menor, e provoca uma considerável resistência. Provocar essa resistência pode não ser necessário, uma vez que não precisamos de uma taxa de vacinação de 100%”.

Num momento em que a vacinação se inicia lentamente em toda a Europa, a limitação dos contactos continua no cerne do combate à pandemia e requer uma cooperação generalizada. Tal como as app e as vacinas, as restrições de contacto impostas provocam aversão pelo controlo implícito, mas essa resposta negativa é menos pronunciada. Algum grau de obrigatoriedade pode ser necessário e eficaz – por exemplo, aumentar o nível de cooperação entre pessoas saudáveis que teriam menos incentivos para evitarem a infeção, mas cuja cooperação protegeria as pessoas de maior risco. O estudo também mostra que, em todas as medidas, a confiança no governo e a veracidade de suas informações sobre a pandemia de Covid-19 afetam positivamente quer a cooperação voluntária, quer a aceitação da aplicação de medidas contra a Covid-19.

https://www.pnas.org/content/118/1/e2016385118

Informação bibliográfica completa:

Original publication: Katrin Schmelz (2021). Enforcement may crowd out voluntary support for Covid-19 policies, especially where trust in government is weak and in a liberal society. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), 118(1). DOI: 10.1073/pnas.2016385118

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