“Há um fator muito importante que neste momento está a ser negligenciado pela comunidade política e infelizmente os modelos epidemiológicos não têm em consideração”, que é “a perceção de invulnerabilidade, também conhecido como otimismo enviesado, que é no fundo uma dissonância cognitiva face ao cansaço do fator tempo, dessensibilização das notícias e aumento de um controlo ilusório”, afirmou Ricardo Pinto.
Ressalvando que o seu objetivo “não é fazer uma avaliação moralista sobre as medidas que têm sido tomadas. Se são boas, se são más, se são justas ou injustas”, o investigador da ‘HEI-Lab: Digital HumanEnvironment Interaction Lab’ afirmou que o seu papel é fazer uma avaliação científica, sobretudo, no que diz respeito a comportamentos e processos mentais”.
“O grande problema” das medidas adotadas para travar a transmissão da Covid-19 é assentarem maioritariamente numa orientação científica focada em modelos epidemiológicos e de saúde pública, que se baseiam no uso de máscara, no distanciamento social, no ficar em casa, “mas não têm em consideração fatores psicológicos que medeiam estes comportamentos”.
Daí a importância de também serem ouvidos cientistas de comportamento, como psicólogos e outros especialistas, para que “as medidas tenham a eficácia desejada”, defendeu.
“Claro que não vamos solucionar tudo, não há medidas perfeitas, tendo em conta tanta variabilidade humana”, mas, advogou, poderiam contribuir para “criar intervenções mais capazes”, intervindo “em todos os fatores e não só numa parte” numa situação pandémica sem precedentes.
Segundo Ricardo Pinto, o medo foi “fator-chave” para a contenção da pandemia no primeiro confinamento geral em março de 2020, pela “perceção aumentada do risco”, porque se tratava de um vírus desconhecido, associado a uma infeção respiratória, que não se sabia bem como se transmitia.
Com a saída do estado de emergência e medidas menos restritivas, as pessoas começaram a voltar paulatinamente à sua vida normal e “a perceção do medo começou a esbater-se”: “Além da desinformação que existiu, que também foi muita, as pessoas passaram a perceber que afinal nem toda a gente estaria em risco de ter um impacto muito severo da doença” e que muitos eram assintomáticos.
Foi nesta fase que começou a surgir “a perceção de controlo” que, juntamente com a “perceção da invulnerabilidade”, explica “uma parte importante” de o país voltar a um confinamento geral, “mas que em nada se compara com o primeiro”.
“Este controlo é muito importante em situações de paz e harmonia, porque é um fator essencial para o bem-estar individual e coletivo, mas numa situação pandémica (…) está a ter um efeito perverso, porque está a criar um otimismo enviesado no sentido da perceção da invulnerabilidade” que faz com que as pessoas tenham resistência às medidas.
“É quase uma fuga à situação de isolamento a que já estiveram sujeitos e que não querem estar mais”, explicou, defendendo a realização de uma campanha de sensibilização semelhante às que existem para a prevenção violência doméstica em que são divulgadas imagens de pessoas mortas.
“Não basta dizer que morreram 150 pessoas num dia porque é algo impessoal, não cria empatia, são meramente números. Esta informação não é processada na memória associada a um estado emocional”, salientou.
Mas se passar-se a mensagem de que o ‘Manuel’, a ‘Joana’, pessoas reais, ficaram com danos psicológicos e físicos resultantes do vírus e do tempo em que estiveram nos cuidados intensivos, ou a ‘Inês’ e o ‘João’ que morreram, tem efeitos muito diferentes.
Defendeu ainda que “só medidas mais restritivas e mensagens claras e assertivas é que poderão ter efeito, até que se alcance a tão desejada imunidade de grupo através da vacinação”.
A Covid-19 já matou em Portugal 9.246 pessoas dos 566.958 casos de infeção confirmados, segundo os últimos dados da Direção-Geral da Saúde.
LUSA/HN
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