Ouvimos o que esperamos ouvir

3 de Fevereiro 2021

Neurocientistas da Universidade Técnica de Dresden mostram que não só o córtex cerebral mas toda a via auditiva representam sons de acordo com as expectativas anteriores. As suas descobertas foram publicadas na revista científica “eLife”

Os seres humanos dependem dos sentidos para entenderem o mundo, a si próprios e os outros. Apesar dos sentidos serem a única “janela” para o mundo exterior, as pessoas raramente questionam o quão fielmente representam a realidade física externa.

Nos últimos 20 anos, a investigação em Neurociências revelou que o córtex cerebral gera constantemente previsões sobre o que irá acontecer a seguir, e que os neurónios responsáveis pelo processamento sensorial apenas codificam a diferença entre as nossas previsões e a realidade.

Uma equipa de neurocientistas da Universidade Técnica de Dresden (Alemanha), liderada pela Prof. Katharina von Kriegstein, apresentou novas descobertas que revelam que não só o córtex cerebral, mas toda a via auditiva, representam sons de acordo com as expetativas anteriores.

Para este estudo, a equipa utilizou imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) para medir as respostas cerebrais de 19 participantes enquanto escutavam sequências de sons. Os participantes receberam indicações para tentar descobrir quais os sons que se desviavam dos outros.

Embora os participantes reconhecessem o desvio mais rapidamente quando ele era colocado em posições que já esperavam, os núcleos subcorticais codificaram os sons apenas quando eles foram colocados em posições inesperadas. Nada acontecia nas posições em que os voluntários já estavam “acostumados”.

Segundo a equipa, estes resultados podem ser melhor interpretados no contexto da codificação preditiva, uma teoria geral do processamento sensorial que descreve a perceção como um processo de testagem de hipóteses. A codificação preditiva assume que o cérebro está constantemente a gerar previsões sobre o aspeto, sons, sensações e cheiro do mundo físico e os neurónios encarregados de processar os nossos sentidos “poupam recursos” ao representar apenas as diferenças entre essas previsões e o mundo físico real.

O Dr. Alejandro Tabas, autor principal do estudo, afirma que “as nossas crenças subjetivas sobre o mundo físico têm um papel decisivo na forma como percecionamos a realidade. Décadas de investigação em Neurociência já tinham demonstrado que o córtex cerebral, a parte do cérebro mais desenvolvida nos humanos e nos macacos, “varre” o mundo sensorial, testando estas crenças e comparando-as com as informações sensoriais reais. Agora mostrámos que este processo também domina as partes mais primitivas e evolutivamente conservadas do cérebro. Tudo o que percecionamos pode estar profundamente contaminado pelas nossas crenças subjetivas do mundo físico”.

Estes novos resultados abrem novos caminho aos neurocientistas que estudam o processamento sensorial nos seres humanos em direção às vias subcorticais. Talvez devido à crença axiomática de que a subjetividade é inerentemente humana, e ao facto de o córtex cerebral ser o principal ponto de divergência entre o cérebro humano e o de outros mamíferos, pouca atenção tinha sido dada anteriormente ao papel que as crenças subjetivas poderiam ter nas representações sensoriais subcorticais.

Dada a importância que as previsões têm na vida quotidiana, deficiências na forma como as expetativas são transmitidas à via subcortical poderiam ter uma profunda repercussão na cognição. A dislexia do desenvolvimento, a perturbação de aprendizagem mais difundid, ajá foi associada a respostas alteradas na via auditiva subcortical e dificuldades em explorar regularidades de estímulos na perceção auditiva.

Estes novos resultados podem fornecer uma explicação unificada dos motivos pelos quais as pessoas com dislexia têm dificuldades na perceção da fala, e proporcionar aos neurocientistas clínicos um novo conjunto de hipóteses sobre a origem de outras perturbações neurais relacionadas com o processamento sensorial.

Informação bibliográfica completa:

Alejandro Tabas, Glad Mihai, Stefan Kiebel, Robert Trampel, Katharina von Kriegstein: Abstract rules drive adaptation in the subcortical sensory pathway. eLife 2020;9:e64501 DOI: 10.7554/eLife.64501

NR/Alphagalileo/Adelaide Oliveira

 

 

 

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