OCDE alerta que vacinação é segunda fase da injustiça com os países pobres

9 de Fevereiro 2021

O diretor de Cooperação da OCDE disse esta terça-feira que a vacinação contra a Covid-19 é a "segunda fase da injustiça" com os países pobres, já fortemente penalizados pela quebra no financiamento desde o início da pandemia.

“Estes países tiveram uma quebra do investimento direto estrangeiro nos últimos meses de 700 mil milhões de dólares [cerca de 580 mil milhões de euros]”, disse Jorge Moreira da Silva.

O responsável da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE) falava, em entrevista à agência Lusa, a propósito do lançamento dos relatórios sobre a cooperação para o desenvolvimento em 2020 e sobre o acesso equitativo às vacinas pelos países de médio e baixo rendimento.

Segundo Moreira da Silva, durante este período, o défice de financiamento ao desenvolvimento para cumprir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nestes países passou de 2,5 biliões de dólares (cerca de 2 biliões de euros) para 4,2 biliões de dólares (cerca de 3,7 biliões de euros).

A conjugação de uma quebra “muito acentuada” de financiamento, com o fecho do comércio e do turismo e as “necessidades adicionais” para lidar com a pandemia criaram as “condições para a existência de mais 150 milhões de cidadãos em situação de pobreza extrema este ano”, apontou.

“Agora surge uma segunda dimensão da injustiça que é a fase da vacinação”, defendeu.

Jorge Moreira da Silva sublinhou, neste contexto, o mérito da coligação para as vacinas (Covax), mas lamentou que se assista, nesta altura, a um fenómeno de “nacionalismo na vacinação”.

Para o diretor da OCDE, existe “uma enorme desigualdade nos calendários da vacinação e no acesso às vacinas” entre o Norte e o Sul.

“Com a tendência atual, teremos apenas uma em cada 10 pessoas dos países em desenvolvimento com acesso a vacinação em 2021 e estes países terão que esperar por 2024 para ter toda a sua população vacinada quando, no Norte, se estima que esse prazo seja atingido no final deste ano”, sustentou.

Jorge Moreira da Silva considerou que esta é uma situação “ética e moralmente lamentável”, mas apontou também a “interligação dos efeitos da crise” e a “ineficiência” de uma resposta desigual no processo de vacinação.

“Não haverá forma de travar esta crise se não for travada à escala global”, disse, citando estudos que apontam para um prejuízo de 9,2 biliões de dólares no Norte se os países mais ricos não apoiarem os mais pobres no processo de vacinação.

“Qualquer atraso na vacinação dos países mais pobres cria um efeito negativo imediato nesses países, mas é também uma opção irracional da parte dos países mais ricos”, alertou.

Jorge Moreira da Silva considerou que o mundo está “perante um risco muito significativo de agravamento das desigualdades”, mas sustentou que ainda existem “condições para travar esta divergência” entre os dois blocos.

Para tal, defendeu, é necessário avançar com o “financiamento pleno” de plataformas globais como a Covax, que ainda tem em falta 5 mil milhões de dólares de financiamento para 2021.

Jorge Moreira da Silva assinalou “a perplexidade” de os países ricos terem criado pacotes de apoio à recuperação das suas economias na ordem dos 14 biliões de dólares (11,6 biliões de euros), mas a Covax ainda não ter conseguido os 5 mil milhões de dólares (cerca de 4,1 mil milhões de euros) necessários para vacinar as populações dos países em vias de desenvolvimento.

Além do reforço do financiamento, Jorge Moreira da Silva sublinhou a urgência de melhorar os mecanismos de coordenação entre os governos para lidar com crises futuras, nomeadamente a climática.

“Tivemos várias iniciativas muito meritórias dos doadores, mas foram desenvolvidas em paralelo, vários países doadores foram apoiando vários países em desenvolvimento, mas não foi possível estabelecer o nível de coordenação desejável para este apoio”, disse.

“Temos que aprender com esta crise para nos prepararmos para as próximas. Mais financiamento ao desenvolvimento, em especial nesta fase de vacinação, e de mais coordenação entre doadores em tempos de crise são elementos estruturantes”, apontou.

A OCDE é composta por 37 países, incluindo Portugal, da América do Norte e do Sul, da Europa e da Ásia-Pacífico, incluindo muitos dos países mais ricos do mundo, como os Estado Unidos, o Japão ou a Alemanha, mas também economias emergentes como o México, Chile e a Turquia.

A organização concentra os principais doadores de ajuda pública ao desenvolvimento (APD) dos países pobres.

A pandemia de Covid-19 provocou, pelo menos, 2.316.812 mortos no mundo, resultantes de mais de 106 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

LUSA/HN

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