A importância de uma abordagem correta à epilepsia

9 de Março 2021

Cerca de 25% das causas de epilepsia são evitáveis – lesões perinatais, AVCs, traumatismos, infecções do sistema nervoso central. O investimento sério na prevenção, da qual são alicerces magnos a educação, a adoção de estilos de vida saudáveis e o investimento em Medicina geral e familiar, contribui também para reduzir o peso da epilepsia.

A epilepsia é uma entidade constituída por várias doenças (geralmente crónicas) que se manifestam clinicamente com crises epiléticas, uma vez que têm diferentes causas e evoluções ao longo da vida. A resposta à terapêutica e o impacto da doença na vida da pessoa também difere, podendo acompanhar a mesma pessoa em diversas etapas da sua vida.

A epilepsia é uma das doenças neurológicas com maior prevalência – cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo e 4-7 pessoas por 1000 habitantes em Portugal, que aumentará com o envelhecimento da população. Com uma prevalência tão elevada, o tratamento da epilepsia tem obrigatoriamente de passar por 3 pilares fundamentais: cuidados generalistas, assente em larga medida nos Cuidados de Saúde Primários por médicos não neurologistas; um pilar intermédio constituído por médicos neurologistas e um último nível de cuidados organizado em centros de referência, com diversos profissionais especializados no cuidado de epilepsias raras e complexas.

A ausência de cuidados de saúde diferenciados em epilepsia acarreta diversos riscos.

Por um lado, o diagnóstico de epilepsia pode ser difícil. Cerca de 10-30% das pessoas referenciadas para tratamento de epilepsia para centros especializados de epilepsia são diagnosticados com outras doenças que não a epilepsia. Tal é fundamental para o correto tratamento destas doenças e possibilitar a suspensão dos FAE, por exemplo.

Por outro lado, em cerca de 30 % dos casos, a epilepsia pode não responder totalmente aos fármacos antiepiléticos – FAE (refratária). Estas pessoas terão de viver provavelmente com epilepsia para o resto da vida, com as consequentes cargas emocionais, sociais, familiares e profissionais associadas, com o efeito cumulativo dos efeitos adversos dos FAE e risco acrescido de mortalidade.

Por último, a utilização incorreta do tipo de FAE são comuns, sobretudo em populações com epilepsia que parece refratária.

Desta forma, a existência de centros terciários para o tratamento da epilepsia é fundamental. Existem diversas técnicas de diagnóstico e tratamento inovadoras, que podem ser consideradas em diversos tipos de doentes quando a epilepsia é refratária. A terapêutica cirúrgica é uma das opções. Numa revisão recente Jerome Engel constatava que, apesar dos avanços terapêuticos nesta área, apenas 1 % das pessoas com epilepsia são referenciadas para avaliação num centro com cirurgia da epilepsia. Não é possível definir com segurança quantas pessoas com epilepsia beneficiariam dessa referenciação, mas as estimativas indicam que deveríamos estar a avaliar entre 10-40 % das pessoas com epilepsia.

Mas a importância de centros de referência em epilepsia não se esgota nas opções cirúrgicas.

A existência de uma equipa multidisciplinar permite avaliar o doente no seu todo, permitindo o tratamento/seguimento de outros problemas associados (ansiedade, depressão, dificuldades de memória, etc.). Como vários tipos de epilepsia são muito raros, o seu seguimento por clínicos especializados permite um seguimento de maior qualidade e acesso a projetos de investigação/ensaios clínicos dirigidos ao seu tipo específico de epilepsia. Neste contexto, a existência de redes europeias (European Reference Networks), na qual se inclui a epilepsia (EpiCare) e na qual estão envolvidos vários centros Portugueses, permite a partilha de conhecimento e de recursos, melhorando o cuidado a todos os doentes.

Estima-se que cerca de 70% das pessoas com epilepsia poderiam ficar livres de crises se lhes for oferecido um tratamento adequado. A educação da população e da comunidade de prestadores de cuidados de saúde na necessidade de referenciação de pessoas com epilepsia a centros de cuidados especializados é fundamental para atingir este objetivo.

Cerca de 25% das causas de epilepsia são evitáveis – lesões perinatais, AVC, traumatismos, infeções do sistema nervoso central. O investimento sério na prevenção, da qual são alicerces magnos a educação, a adoção de estilos de vida saudáveis e o investimento em Medicina geral e familiar, contribui também para reduzir o peso da epilepsia.

Ana Catarina Franco, Carla Bentes, Ana Rita Peralta
Laboratório de EEG/Sono – Unidade de Monitorização Neurofisiológica
Centro de Referência para Epilepsias Refratárias, membro do EpiCARE
Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

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