Tiago Sá: “Mais pacientes procuraram ajuda por queixas do sono durante a pandemia”

03/19/2021
Os portugueses nunca dormiram tão mal como no atual contexto pandémico. No âmbito do Dia Mundial do Sono, Tiago Sá, pneumologista especialista na medicina do sono e Diretor Clínico da Sleeplab, revela que o stress, a preocupação e o medo do contágio são alguns dos fatores responsáveis pelos distúrbios do sono. Preocupado com o aumento da automedicação de fármacos que alegam melhorar o sono alerta que “estas medicações podem ter efeitos secundários graves”.

HealthNews (HN)- Quais as principais condições que podem afetar o sono?

Tiago Sá (TS)- São vários os distúrbios de sono que existem e que podem ser diagnosticados. Os mais frequentes são: a privação do sono, a insónia e os distúrbios respiratórios do sono, nomeadamente a roncopatia e a apneia obstrutiva do sono.

HN- Como se define o sono saudável?

TS- Um sono saudável é um sono em quantidade e qualidade suficiente para permitir que quem dorme se sente descansado, restaurado e ativo durante o dia.

HN- Quais os estágios do sono?

TS- Existem dois tipos do sono: o sono REM e o sono não REM. Dentro do sono não REM temos desde o sono superficial até ao sono profundo. Todas as noites passamos por vários ciclos do sono, habitualmente quatro a seis por noite, sendo que na primeira metade da noite o sono não REM e profundo predomina, enquanto que na segunda metade da noite é o sono REM predominante.

HN- Dormir muito é suficiente para garantir uma noite de sono saudável?

TS- Não é de todo. Existem estudos científicos que demonstram que dormir pouco tem consequências negativas para a saúde, mas dormir muito também. Isto significa que dormir muito não é necessariamente um sinónimo de sono de qualidade, até porque alguém que tenha um sono fragmentado tem necessidade de dormir mais horas para se sentir descansado – isso não quer dizer que aquelas horas de sono sejam de qualidade. Devemos procurar um sono de quantidade e qualidade adequadas.

HN- A automedicação para o tratamento das disfunções relacionadas com o sono constitue um problema de Saúde Pública?

TS- Sem dúvida. É um fenómeno que está a ser identificado em vários países e várias autoridades de saúde têm chamado a atenção para esse fenómeno. Tem havido muito investimento por parte da indústria em fármacos que alegam melhorar o sono e infelizmente o consumo destes medicamentos tem aumentado significativamente. É uma atitude perigosa, uma vez que a intervenção farmacológica não é a primeira linha em grande parte dos distúrbios do sono. Infelizmente estas medicações podem ter efeitos secundários. Muitos doentes recorrem à nossa consulta após anos de queixas de sono e anos de toma de medicamentos sem resultados eficazes.

HN- Que efeitos secundários podem surgir?

TS- Pode provocar vários, tais como sonolência durante o dia; aumentar o risco de acidentes; agravar outros distúrbios do sono existente, nomeadamente respiratórios.

Existem ainda fármacos sujeitos a receita médica que são usados off-label nos distúrbios do sono, alguns com potenciais efeitos secundários graves, nomeadamente cardiovasculares.

HN- Estes fármacos podem criar alguma dependência?

TS- Podem sim, nomeadamente as benzodiazepinas

HN- Que medidas não farmacológicas podem ser utilizadas para melhorar a qualidade do sono?

TS- Sem dúvida que as medidas mais importantes numa primeira fase são as medidas de higiene do sono. De facto, o mote do World Sleep Society para o Dia Mundial do sono é “Sono Regular, Futuro Saudável”. Significa que as pessoas devem procurar deitar-se e acordar à mesma hora. Se criarmos rotinas diárias regulares vamos conseguir otimizar a qualidade do nosso sono durante a noite.

No entanto, também é preciso considerar que evitar o consumo de bebidas cafeinadas, o consumo de álcool e evitar fumar antes de ir para a cama, reduzir a exposição a ecrãs nas últimas horas antes de ir para a cama serão atitudes que irão ajudar a promover o sono de qualidade.

HN- Que mitos existem em relação ao sono?

TS- Muitas pessoas associam a roncopatia como algo normal e o ressonar pode estar associado a paragens respiratórias durante o sono constituindo o síndrome de apneia obstrutiva do sono. Portanto, assumir o ressonar como algo sempre normal pode não ser prudente.

Existe um mito que pessoas que dormem menos muitas vezes são mais inteligentes o que não está comprovado. Pelo contrário o que sabemos é que quem dorme menos poderá ter dificuldade de concentração, diminuição da capacidade de reação e ter uma performance cognitiva pior.

Por outro lado, existe a ideia de que quem dorme menos é mais produtivo e trabalha melhor, mas o que a evidência nos mostra é o contrário. Quem dorme menos horas pode trabalhar mais, mas essas horas são menos produtivas e comete mais erros.

HN- Qual o impacto da pandemia na qualidade do sono?

TS- Encontramos mais pacientes que procuraram ajuda por queixas do sono durante a pandemia. O stress, neste contexto de catástrofe de saúde, associado ao medo da doença mas também à incerteza quanto ao seu impacto económico e nas situações laborais, fez  com que uma grande parte da população (cerca de 75% em alguns estudos) sofressem de algum distúrbios do sono durante o último ano.

Por outro lado, o processo de confinamento provocou uma disrupção nas rotinas diárias, o que acaba por ter impacto na qualidade do sono.

Ainda alguns estudos revelaram que mais de 80% dos profissionais de saúde tiveram queixas relacionadas ao sono durante estes últimos meses.

Entrevista de Vaishaly Camões

1 Comment

  1. Antonio Ramos Malicia

    Muito esclarecedor

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