HealthNews (HN)- Quais as principais condições que podem afetar o sono?
Tiago Sá (TS)- São vários os distúrbios de sono que existem e que podem ser diagnosticados. Os mais frequentes são: a privação do sono, a insónia e os distúrbios respiratórios do sono, nomeadamente a roncopatia e a apneia obstrutiva do sono.
HN- Como se define o sono saudável?
TS- Um sono saudável é um sono em quantidade e qualidade suficiente para permitir que quem dorme se sente descansado, restaurado e ativo durante o dia.
HN- Quais os estágios do sono?
TS- Existem dois tipos do sono: o sono REM e o sono não REM. Dentro do sono não REM temos desde o sono superficial até ao sono profundo. Todas as noites passamos por vários ciclos do sono, habitualmente quatro a seis por noite, sendo que na primeira metade da noite o sono não REM e profundo predomina, enquanto que na segunda metade da noite é o sono REM predominante.
HN- Dormir muito é suficiente para garantir uma noite de sono saudável?
TS- Não é de todo. Existem estudos científicos que demonstram que dormir pouco tem consequências negativas para a saúde, mas dormir muito também. Isto significa que dormir muito não é necessariamente um sinónimo de sono de qualidade, até porque alguém que tenha um sono fragmentado tem necessidade de dormir mais horas para se sentir descansado – isso não quer dizer que aquelas horas de sono sejam de qualidade. Devemos procurar um sono de quantidade e qualidade adequadas.
HN- A automedicação para o tratamento das disfunções relacionadas com o sono constitue um problema de Saúde Pública?
TS- Sem dúvida. É um fenómeno que está a ser identificado em vários países e várias autoridades de saúde têm chamado a atenção para esse fenómeno. Tem havido muito investimento por parte da indústria em fármacos que alegam melhorar o sono e infelizmente o consumo destes medicamentos tem aumentado significativamente. É uma atitude perigosa, uma vez que a intervenção farmacológica não é a primeira linha em grande parte dos distúrbios do sono. Infelizmente estas medicações podem ter efeitos secundários. Muitos doentes recorrem à nossa consulta após anos de queixas de sono e anos de toma de medicamentos sem resultados eficazes.
HN- Que efeitos secundários podem surgir?
TS- Pode provocar vários, tais como sonolência durante o dia; aumentar o risco de acidentes; agravar outros distúrbios do sono existente, nomeadamente respiratórios.
Existem ainda fármacos sujeitos a receita médica que são usados off-label nos distúrbios do sono, alguns com potenciais efeitos secundários graves, nomeadamente cardiovasculares.
HN- Estes fármacos podem criar alguma dependência?
TS- Podem sim, nomeadamente as benzodiazepinas
HN- Que medidas não farmacológicas podem ser utilizadas para melhorar a qualidade do sono?
TS- Sem dúvida que as medidas mais importantes numa primeira fase são as medidas de higiene do sono. De facto, o mote do World Sleep Society para o Dia Mundial do sono é “Sono Regular, Futuro Saudável”. Significa que as pessoas devem procurar deitar-se e acordar à mesma hora. Se criarmos rotinas diárias regulares vamos conseguir otimizar a qualidade do nosso sono durante a noite.
No entanto, também é preciso considerar que evitar o consumo de bebidas cafeinadas, o consumo de álcool e evitar fumar antes de ir para a cama, reduzir a exposição a ecrãs nas últimas horas antes de ir para a cama serão atitudes que irão ajudar a promover o sono de qualidade.
HN- Que mitos existem em relação ao sono?
TS- Muitas pessoas associam a roncopatia como algo normal e o ressonar pode estar associado a paragens respiratórias durante o sono constituindo o síndrome de apneia obstrutiva do sono. Portanto, assumir o ressonar como algo sempre normal pode não ser prudente.
Existe um mito que pessoas que dormem menos muitas vezes são mais inteligentes o que não está comprovado. Pelo contrário o que sabemos é que quem dorme menos poderá ter dificuldade de concentração, diminuição da capacidade de reação e ter uma performance cognitiva pior.
Por outro lado, existe a ideia de que quem dorme menos é mais produtivo e trabalha melhor, mas o que a evidência nos mostra é o contrário. Quem dorme menos horas pode trabalhar mais, mas essas horas são menos produtivas e comete mais erros.
HN- Qual o impacto da pandemia na qualidade do sono?
TS- Encontramos mais pacientes que procuraram ajuda por queixas do sono durante a pandemia. O stress, neste contexto de catástrofe de saúde, associado ao medo da doença mas também à incerteza quanto ao seu impacto económico e nas situações laborais, fez com que uma grande parte da população (cerca de 75% em alguns estudos) sofressem de algum distúrbios do sono durante o último ano.
Por outro lado, o processo de confinamento provocou uma disrupção nas rotinas diárias, o que acaba por ter impacto na qualidade do sono.
Ainda alguns estudos revelaram que mais de 80% dos profissionais de saúde tiveram queixas relacionadas ao sono durante estes últimos meses.
Entrevista de Vaishaly Camões
Muito esclarecedor