“Enquanto não se tiver uma cobertura vacinal dos grupos de risco de 90% a 100%, há sempre o perigo de haver vagas que possam causar internamentos e morte, porque a maior parte dos países europeus ainda não tem imunidade populacional e isso quer dizer que o vírus pode ter propagação pandémica e causar vagas”, afirma o virologista Pedro Simas, que nota que a transformação de uma disseminação pandémica em endémica só é possível pela imunidade de grupo, em torno dos 60% a 70% da população.
De acordo com o investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM), uma nova vaga em Portugal não teria, “em princípio”, o mesmo impacto, devido ao processo de vacinação contra a Covid-19 em curso, que tem incidido sobretudo na proteção dos grupos de risco e nos mais vulneráveis ao vírus SARS-CoV-2, sem, porém, deixar de desmistificar a ideia de vaga.
“O vírus está disseminado por todo o lado e as vagas nos diferentes países refletem as medidas de mitigação e os estatutos de imunidade populacional que têm, pura e simplesmente. Não são ventos que progridam de Este para Oeste ou de Oeste para Este. A partir do momento em que o mundo inteiro é pandémico, a dinâmica da disseminação do vírus em cada país não está dependente do vizinho, mas sim do comportamento de cada país em termos de medidas de mitigação e programa de vacinação”, frisa Pedro Simas.
Os diferentes ritmos da pandemia evidenciam, sobretudo, o posicionamento de países como Portugal, Espanha e Reino Unido a aliviarem neste momento as suas restrições, enquanto Itália, Alemanha e França, por exemplo, surgem em contraciclo, com o receio de uma terceira vaga perante o aumento de casos, internamentos e óbitos e novos confinamentos.
O especialista em Saúde Internacional Tiago Correia considera que este é um “momento diferente na pandemia”, com altos e baixos na expressão da Covid-19 no continente europeu, embora relembre que tal já aconteceu na primeira e na segunda vagas. No entanto, refuta a ideia de que Portugal tenha passado, no início do ano, primeiro do que o centro da Europa por uma terceira vaga.
“Não podemos chamar uma terceira vaga ao que aconteceu em janeiro. Nós vivemos um recrudescimento da segunda vaga e resolvemo-lo agora. Desta vez, não foi de Oeste para Leste, porque não vivemos uma terceira vaga, vivemos uma segunda vaga longa que se arrastou. Estamos a enfrentar o começo de uma terceira vaga na Europa e, portanto, isso significa que se nada se fizer, ela chegará a Portugal”, alerta.
Para o professor e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT), o cenário de uma vaga similar às duas anteriores não é tão provável, em virtude da vacinação e da imunização natural pela infeção, que, no total, atinge já cerca de dois milhões de pessoas (aproximadamente 20% da população portuguesa), o que representa agora “um ‘timing’ favorável” para o país nesta fase.
“Aprendemos com o que aconteceu na segunda vaga. Mas, se acho possível que caminhemos, segundo a matriz de risco, para o ‘amarelo’, acho que sim e com uma certa naturalidade”, refere, em alusão à matriz do governo para a avaliação do plano de desconfinamento. “Um eventual aumento a acontecer será com um ritmo mais lento por quatro motivos: vacinação, imunidade natural, resposta política e o clima”, reitera.
Tiago Correia – que recorda “o que, politicamente, não se podia ter feito no Natal e se fez” em Portugal -, considera que a Europa está ‘condenada’ a repetir estes “sobe e desce” na gestão da pandemia, até que se alcance a imunidade de grupo a nível continental, por não ter características geográficas propícias a uma “política de casos zero”, apenas viável sem a existência de fronteiras terrestres, além de questões de natureza política e social.
“A Europa tem esta dupla condição: é um conjunto de muitos países, com fronteiras terrestres, livre circulação e ligações políticas e económicas entre si; e tem inscrito nos seus códigos genéticos políticos o respeito por liberdades individuais. E estes dois aspetos fazem que na Europa não haja possibilidade de gerir isto a não ser através de ‘sobe e desce’. O que muda é o ritmo e a intensidade do crescimento da subida nos vários países”, explica.
Pedro Simas antevê “um período de transição” para Portugal, suspenso entre o caminho para a imunidade de grupo e a cobertura vacinal dos grupos de risco, no qual seja possível “desconfinar tolerando um nível mais elevado de disseminação comunitária”, devido ao “custo muito grande” do confinamento para o país.
Questionado ainda sobre a contenção das variantes de preocupação do vírus SARS-CoV-2, como as que foram identificadas no Reino Unido, na África do Sul e no Brasil, o virologista mostra-se sereno perante a possibilidade de uma nova variante se tornar dominante em Portugal – depois de a variante britânica já ter conquistado a prevalência ao nível de novos casos – e reforça a perspetiva de um futuro moldado pela vacinação.
“Até ao final de abril, com a quantidade de vacinas que vão chegar a Portugal, não há razão nenhuma para não executarmos a 100% a primeira fase do plano de vacinação e irmos um pouco além disso. Portanto, antevejo maio e junho muito diferentes em Portugal”, conclui.
Tiago Correia defende que o controlo das variantes do vírus pela restrição de fronteiras e de tráfego aéreo com os países associados às variantes é uma visão “quase infantil”, ainda que não conteste a medida, já que pode atrasar a disseminação em território nacional.
“Não se controla um vírus por essa via. Restringimos o acesso da África do Sul, mas há fluxos fortíssimos entre África do Sul e Moçambique, portanto, por via de Moçambique, pode haver a entrada em Portugal da variante da África do Sul”, observa.
“Tem de haver restrição na circulação direta entre estes países, mas, além disso, tem de se reconhecer que isso não vai travar a circulação das variantes e que temos de manter a sequenciação genómica muito acentuada para perceber o que está a acontecer”, conclui Tiago Correia.
Em Portugal, a Covid-19 já provocou a morte de 16.845 pessoas, entre os 821.104 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A pandemia de Covid-19 provocou, pelo menos, 2.792.586 mortos no mundo, resultantes de mais de 127 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
LUSA/HN
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