Ana Rita Figueiredo: “Entre 5 a 10% das grávidas desenvolvem um distúrbio hipertensivo”

1 de Abril 2021

Investigadores do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, procuram saber se a ocorrência de hipertensão na gravidez, em mulheres sem história prévia de HTA, influencia a sua […]

Investigadores do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, procuram saber se a ocorrência de hipertensão na gravidez, em mulheres sem história prévia de HTA, influencia a sua função cardiovascular cerca de uma década mais tarde, avança  Ana Rita Figueiredo, interna de Ginecologia/Obstetrícia do CHUSJ.

HealthNews – A hipertensão na gravidez é uma intercorrência clínica frequente?

Ana Rita Figueiredo (ARF) – No decorrer da gravidez estima-se que entre 5 a 10% das grávidas desenvolvem um distúrbio hipertensivo.

Num estudo realizado em Portugal, a prevalência de doenças hipertensivas no decorrer da gravidez foi de 6%. Assim, podemos dizer que é uma das complicações mais frequentes da gravidez e que tem tendência a aumentar, com o aumento da idade materna em Portugal.

HN – Pode condicionar a evolução normal da gravidez, nomeadamente o crescimento intrauterino, prematuridade ou a própria morte do feto?

ARF – Os distúrbios hipertensivos da gravidez estão associados a riscos para a grávida e para o feto. Alguns destes distúrbios podem associar-se a alterações no desenvolvimento e funcionamento da placenta e condicionar restrição de crescimento intrauterino do feto, maior risco de parto pré-termo, parto por cesariana, descolamento da placenta e até morte fetal. No que diz respeito à grávida, alguns destes distúrbios cursam com disfunção de órgãos, nomeadamente renal, hepática e cerebral. De facto, a doenças hipertensivas da gravidez constituem uma das principais causas de morbimortalidade materna nos países desenvolvidos.

HN – Perante os riscos acrescidos para a mãe e para o feto, é importante que as grávidas com HTA sejam acompanhadas por uma equipa multidisciplinar?

ARF – Sem dúvida. Uma gravidez complicada por um distúrbio hipertensivo da gravidez está associada a riscos acrescidos, sendo considerada uma gravidez de risco clínico elevado, o que implica uma monitorização mais apertada da grávida e do feto. É necessário vigiar o crescimento e bem-estar fetal de uma forma mais intensa, pelos riscos fetais que já falámos. Relativamente à vigilância da grávida, o seu perfil tensional varia ao longo da gravidez, sendo necessário fazer ajustes da terapêutica anti-hipertensora de forma a adequar a terapêutica às variações fisiológicas próprias das várias fases da gravidez, vigiar de forma mais apertada o perfil tensional, bem como a função renal e hepática destas grávidas.

HN – Uma mulher que pretenda engravidar e que já tenha diagnóstico de hipertensão, deverá consultar previamente o seu médico?

ARF – É recomendável que todas as mulheres que planeiem uma gravidez consultem previamente o seu médico assistente de forma a iniciar a suplementação recomendada e realizar um avaliação pré-concecional.

Esta avaliação em consulta de preconceção, é muitas vezes uma oportunidade para avaliar o perfil tensional numa mulher jovem e saudável, e é nesta consulta que muitas vezes se diagnostica uma HTA prévia, até aí desconhecida pela mulher. Estas mulheres devem ser estudadas, de forma a perceber se estamos perante uma HTA pré-existente essencial ou secundária ou se, eventualmente, se trata de uma HTA de bata branca.

Uma mulher com HTA crónica já conhecida e estudada, que planeie engravidar, deve informar o seu médico assistente. Para além dos cuidados habituais, é essencial assegurar que a medicação anti-hipertensora é compatível com a gravidez.

HN – Todos os medicamentos usados para o tratamento da hipertensão arterial são seguros para o bebé?

ARF – Não, de facto alguns medicamentos utilizados habitualmente para tratar a HTA crónica, como os inibidores da ECA, os antagonistas dos recetores da angiotensina e os antagonistas da aldosterona,  não são seguros na gravidez, por estarem associados a malformações fetais ou desfechos neonatais adversos.

Assim, na grande maioria dos casos, é necessário ajustar o esquema de tratamento de uma mulher com HTA crónica que se prepara para engravidar. Habitualmente a metildopa, o labetalol e os bloqueadores dos canais de cálcio são os medicamentos de escolha para o tratamento da hipertensão na gravidez.

HN –  Quais os tipos de hipertensão que existem na grávida e qual a melhor abordagem?

Os distúrbios hipertensivos da gravidez dividem-se em quatro tipos: hipertensão prévia à gravidez ou que surge até às 20 semanas de gravidez e que persiste 12 semanas após o parto; hipertensão gestacional, quando a HTA surge após as 20 semanas de gravidez e resolve até 12 semanas depois do parto (até 25% destas grávidas vão desenvolver pré-eclâmpsia no decorrer da  gravidez e este risco é maior quanto mais precoce é o desenvolvimento de HTA gestacional); pré-eclâmpsia, quando a HTA surge de novo na gravidez associada a disfunção endotelial sistémica, que pode condicionar disfunção de múltiplos órgãos maternos (por exemplo, disfunção renal com desenvolvimento de proteinúria e oligúria, hepática com elevação das transaminases, hematológica provocando hemólise e trombocitopenia, cerebral condicionando cefaleias e alterações da visão); pré-eclâmpsia sobreposta a HTA prévia, que pode manifestar-se por um agravamento do perfil tensional, por vezes resistente ao tratamento, e disfunção de órgãos de novo na grávida com HTA crónica.

A decisão de tratar a hipertensão durante a gravidez deve considerar os riscos e benefícios para a mãe e para o feto.  Um controlo excessivo da pressão arterial deve ser evitado pois pode associar-se a diminuição da perfusão útero-placentária, com consequências adversas para o feto.

Há consenso de que mulheres com hipertensão grave (definida como pressão arterial sistólica ≥160 mmHg e / ou pressão arterial diastólica ≥110 mmHg) persistindo por ≥15 minutos, devem ser tratadas para reduzir o risco de acidente vascular cerebral materno, insuficiência cardíaca e outras complicações maternas graves.

Não há consenso quanto ao limite da pressão arterial para iniciar tratamento farmacológico nos casos de hipertensão não grave, uma vez que os benefícios e riscos potenciais do tratamento não são claros.

HN – A diabetes gestacional pode condicionar o aparecimento da diabetes em fases mais avançadas da vida da mulher. Na hipertensão sucede o mesmo?

ARF – O que se pensa é que, tal como acontece na diabetes gestacional, a gravidez pode atuar como um “teste de stress”, permitindo identificar mulheres com alto risco de doença cardiovascular futuro. De forma objetiva, alguns estudos estudaram a função cardíaca das mulheres com Pré-eclâmpsia e demonstraram o desenvolvimento de hipertrofia ventricular e sinais ecocardiográficos indiretos de isquemia miocárdica localizada e fibrose. Estas alterações cardiovasculares estruturais e funcionais não se reverteram completamente um ano após o parto. Vários estudos epidemiológicos têm demonstrado a associação entre distúrbios hipertensivos da gravidez e morbidade e mortalidade cardiovascular da mulher na vida adulta. A “American Heart Association” já reconhece a Pré-eclâmpsia como fator de risco independente para doença cardiovascular e introduziu essa complicação da gravidez nos algoritmos de avaliação do score de risco cardiovascular futuro.

HN – É possível avançar ao HealthNews informações sobre o trabalho de investigação que está a ser desenvolvido no Centro Hospitalar Universitário de São João neste domínio?

ARF – Estamos a tentar perceber como é a ocorrência de um distúrbio hipertensivo durante a gravidez numa mulher previamente saudável, ou seja, sem HTA prévia à gravidez, influencia a sua função cardiovascular cerca de 10 anos depois. Se realmente demonstrarmos que estas mulheres têm um maior risco cardiovascular anos depois deste evento na gravidez, temos na gravidez um momento chave para identificar mulheres com maior risco e uma oportunidade única para promover estratégias de prevenção cardiovascular mais precocemente.

Adelaide Oliveira

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