Prof. José Augusto Rodrigues Simões: Covid-19 fez baixar objetivos do Programa de Vigilância da Hipertensão

3 de Abril 2021

A carteira básica de serviços das USF inclui o Programa de Vigilância da Hipertensão. A estratégia passa pelo rastreio da HTA em todos os pacientes adultos de forma regular e […]

A carteira básica de serviços das USF inclui o Programa de Vigilância da Hipertensão. A estratégia passa pelo rastreio da HTA em todos os pacientes adultos de forma regular e a determinação do risco cardiovascular, explica o médico de família José Augusto Rodrigues Simões, atual coordenador do Internato de Medicina Geral e Familiar da Zona Centro. A pandemia fez baixar alguns objetivos mas as consultas presenciais de vigilância já estão a ser retomadas.

HealthNews – Qual é a prevalência estimada da hipertensão nos cuidados de saúde primários (CSP)?

José Augusto Rodrigues Simões (JARS) – Segundo alguns estudos a prevalência de hipertensão situar-se-á entre os 36 e os 42%. No entanto, segundo os dados da Matriz de Indicadores dos CSP (fevereiro de 2021) é de 22%, sendo mais elevada no Alentejo, com 27%, e mais baixa no Algarve, com 20%.

HN – Que percentagem de consultas efetuadas nos CSP se destina ao seguimento dos doentes hipertensos?

JARS – Depende da organização de cada unidade (USF/UCSP) mas, baseado na realidade da unidade onde trabalho, posso afirmar que seja cerca de 20% das consultas semanais.

HN – Regra geral, quantas vezes é avaliado um doente hipertenso estável nas unidades de saúde familiar (USF)? Essa avaliação também pode ser efetuada pelo enfermeiro de família?

JARS – Mais uma vez, depende dos procedimentos adotados por cada unidade. Na minha realidade, o doente hipertenso estável tem duas consultas de vigilância anual, com entrevista de enfermagem e consulta médica.

HN – A “European Society of Hypertension” recomenda a automedição da pressão arterial (AMPA) a todos os doentes que sejam medicados para a HTA e que apresentem elevado risco cardiovascular. Quais são, na sua perspetiva, as vantagens e desvantagens da AMPA?

JARS – A automedição da pressão arterial no domicílio é uma realidade para muitos pacientes, que já possuem o respetivo aparelho automático. Este procedimento tem a vantagem de envolver o paciente na gestão da sua hipertensão e de trazer para a consulta os dados dos seus registos. Assim, ficamos com uma ideia da variação dos seus valores de pressão arterial ao longo do tempo entre consultas, e podemos fazer ajustes na terapêutica instituída tendo em consideração essa informação. A desvantagem é quando os pacientes ficam obcecados com essas medições e sofrem psicologicamente com o facto de não terem o valor pretendido, nomeadamente em termos de ansiedade. Outra desvantagem é o próprio paciente fazer ajustes na medicação sem conselho médico.

HN – A Monitorização Ambulatória da Pressão Arterial de 24 horas (MAPA) é superior à medição da hipertensão no consultório na previsão de eventos coronários, tais como o enfarte do miocárdio?

JARS – Sim, existe evidência de que a MAPA permite prever melhor o risco cardiovascular, assim como eventos coronários, em comparação com a medição da pressão arterial no consultório. Mas a MAPA tem custos, em termos do preço dos aparelhos e da necessidade de pessoal técnico para a sua gestão, pelo que é reservada para situações de dúvida diagnóstica e/ou terapêutica. No contexto da questão que coloca, a AMPA parece-me uma boa alternativa, porque também se verificou, em alguns estudos, estar mais associada ao risco de mortalidade cardiovascular do que a medição da pressão arterial em consultório.

HN – Quais são então as situações em que está indicada a realização de MAPA?

JARS – A MAPA contribui para aumentar a precisão diagnóstica de hipertensão arterial, melhorar a estratificação do risco e reduzir os custos e o risco de iatrogenia relacionada com a terapêutica farmacológica. Permite diagnosticar os casos de “hipertensão de bata branca”, em que os valores estão elevados no consultório mas são normais for a dele, assim como a “hipertensão mascarada”, em que existem valores normais no consultório, mas elevados no domicílio. Permite ainda identificar o tipo “dipper” e “não dipper” da hipertensão, o que também se associa com o risco cardiovascular.

HN –  Como se determina a “hipertensão de bata branca”?

JARS – O diagnóstico de “hipertensão de bata branca” é feito quando se verifica num paciente valores elevados de pressão arterial nas medições em consultório, mas os valores da MAPA são normais.

HN – Considera que os doentes ainda desvalorizam o perigo que a hipertensão representa?

JARS –  Penso que já existe um maior conhecimento dos perigos associados à hipertensão arterial na população, mas as condições e contextos de vida de cada um podem levar à sua desvalorização. Nomeadamente, ao não realizarem as medidas não farmacológicas, em termos de exercício físico e dieta, que são mandatórias mas poucas vezes assumidas e realizadas pelos pacientes, precisamente devido às condicionantes das suas vidas em concreto.

HN – A carteira básica das USF inclui o Programa de Vigilância da Hipertensão. Quais são as estratégias, a população-alvo e os objetivos específicos?

JARS – A estratégia passa pela identificação dos pacientes hipertensos. Assim, o rastreio de hipertensão arterial, através da medição da pressão arterial, deve ser feito a todos os pacientes adultos de uma forma regular, de três em três anos se não existirem fatores de risco cardiovascular; se existir algum fator de risco cardiovascular, então a medição da pressão arterial deverá ser anual.

Identificada a pessoa com hipertensão arterial, através de duas medições, de acordo com os procedimentos em vigor, devem ser estabelecidas medidas não farmacológicas de tratamento. E deve ser determinado o grau da sua hipertensão, assim como o seu risco cardiovascular, para ponderação de medidas farmacológicas. Os objetivos para a pessoa com hipertensão arterial vão depender do grau da sua hipertensão e do seu risco cardiovascular, além da sua idade e fragilidade, se for uma pessoa idosa.

Os objetivos da carteira básica passam pela vigilância da pessoa com hipertensão arterial de uma forma regular.

HN – Esses objetivos estão a ser atingidos na generalidade das USF? E na USF Caminhos do Cértoma, de que foi coordenador durante vários anos ?

JARS –  Nas circunstâncias da pandemia alguns dos objetivos estão baixos. No entanto, na USF Caminhos do Cértoma já estamos a realizar as consultas de vigilância de hipertensão arterial de forma presencial. Assim, os dados da Matriz de Indicadores dos CSP, relativos ao mês de fevereiro de 2021, indicam que a proporção de hipertensos com PA em cada semestre foi de 25,1% a nível nacional e de 29,1% na USF Caminhos do Cértoma. A proporção de hipertensos com idade inferior a 65 anos com pressão arterial inferior a 150/90 foi de 31,5% a nível nacional e de 26,9% na USF Caminhos do Cértoma. E a proporção de hipertensos com risco cardiovascular calculado foi de 59,9% a nível nacional e de 57,2% a nível da USF Caminhos do Cértoma.

HN – Enquanto coordenador do Internato de Medicina Geral e Familiar da Zona Centro (IMGFZC), qual foi, na sua perspetiva, o impacto da Covid-19 nas atividades formativas dos futuros médicos de família, que terão de lidar, nomeadamente, com a complexidade dos doentes com múltiplas patologias crónicas, em se enquadram frequentemente as pessoas com hipertensão?

JARS –  A pandemia Covid-19 criou desafios à atividade no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários que permitiram oportunidades de aprendizagem e aquisição de novas competências. Deve ser reconhecido que os médicos internos de Medicina Geral e Familiar foram uma peça central em todo este processo de adaptação a uma nova realidade, colaborando, junto dos seus orientadores e equipas das unidades de colocação, para melhores cuidados à população. Mas existiram formações específicas e estágios adiados, o que colocou em causa a aquisição e a melhoria de competências técnicas necessárias ao desempenho clínico. Por outro lado, a atividade assistencial dos médicos de família sofreu adaptações quase diárias, procurando responder às tarefas impostas pelas estratégias definidas pelo Governo e pela Direção-Geral da Saúde, seguindo mais de 90% dos pacientes com suspeita ou diagnóstico de Covid-19.

Foi privilegiada a atividade assistencial e reduzida a atividade formativa. Agora, há a necessidade de recuperar as atividades formativas em atraso. Para o atingir, temos a estratégia de desenvolver as comunidades de prática formativa, que agrupam unidades do mesmo centro de saúde ou de centros de saúde próximos. Deseja-se que as comunidades de prática formativa propiciem um ambiente favorável à aquisição de competências no percurso de um médico interno em Medicina Geral e Familiar e possibilite a promoção do desenvolvimento profissional contínuo dos orientadores de formação e restantes especialistas, atualizando-se conhecimentos e competências. Possibilitando a reflexão sobre a formação médica contínua e o treino propiciados, permitem partilhar a resolução de problemas clínicos e encontrar formas comuns de os resolver, desenvolver guiões de procedimentos para situações específicas da prática médica, entre outras atividades formativas.

Adelaide Oliveira

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