“De facto, o teletrabalho é um grande obstáculo à saúde digestiva”, afirmou, em declarações à Lusa, Guilherme Macedo, diretor do Serviço de Gastroenterologia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto.
De acordo com o especialista, ao promover o sedentarismo – fator que influencia de “várias formas a degradação da saúde digestiva” –, bem como a acumulação de material que resulta do processo digestivo, o teletrabalho tem contribuído para “condicionar” a saúde digestiva dos portugueses.
“Entre a doença de refluxo até à obesidade, passando pela síndrome do intestino irritável e acabando nas doenças hemorroidárias, de facto, é um calvário o que o teletrabalho tem promovido e não tem ajudado”, salientou o médico e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Também Ricardo Marcos-Pinto, gastrenterologista no Centro Hospitalar e Universitário do Porto (CHUP) destacou o “grande impacto” do teletrabalho nas doenças digestivas, nomeadamente, na síndrome do intestino irritável, alteração funcional que se estima que afete 15% da população portuguesa.
A síndrome do intestino irritável, caracterizada por dor abdominal, gástrica, intestinal, obstipação e diarreia, “é uma manifestação visceral das preocupações do dia-a-dia”, salientou o clínico, acrescentando que com o desconfinamento foram várias as solicitações de consulta para esses sintomas.
“O que vimos nos nossos doentes é que eles agravaram com o teletrabalho, com o facto estarem em casa e não poderem sair. Vimos uma descompensação que acompanha um pouco as doenças de ansiedade e depressão”, salientou Ricardo Marcos-Pinto, também docente no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS).
Para Guilherme Macedo, o teletrabalho tem “amplificado” situações que perturbam a saúde digestiva, tais como a obesidade e as perturbações de sono.
“Há aqui um ciclo vicioso. Em vez de haver fatores inibitórios para que isto desapareça, não. Tudo isto condiciona um prolongamento deste ciclo. Tudo se potencia”, referiu.
À semelhança da síndrome do intestino irritável, também a perceção de desconforto abdominal – associada a “uma vida sedentária” – se refletiu nas consultas da especialidade.
“A sensação de desconforto está nitidamente associada a esta vida sedentária que as pessoas têm tido neste último ano. Isso tem sido uma constatação nossa em todas as consultas”, afirmou o médico.
De acordo com o diretor do Serviço de Gastroenterologia só o exercício físico e a precaução alimentar poderão ajudar a contrariar as sequelas do teletrabalho.
“O eixo comum é o exercício físico regular, o movimento do indivíduo e a movimentação do aparelho digestivo são fundamentais para o equilíbrio biológico”, salientou.
A par do exercício físico, é fundamental “voltar à rotina e voltar a ter relações interpessoais”, bem como “retomar os rastreios”, acrescentou Ricardo Marcos-Pinto.
De acordo com o médico, também coordenador da Comissão de Investigação da Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, com o confinamento, a rotina de rastreios, nomeadamente, do cancro cólon e reto, “passou para segundo plano” e os doentes tem chegado “em estágios já avançados da doença”.
“Nós em gastroenterologia nunca vimos tanta doença avançada como agora. Vemos o que já não víamos há muitos anos, em estágios muito avançados e às vezes já sem tratamento”, disse Ricardo Marcos-Pinto, salientando que morrem 11 portugueses por dia com este tipo de cancro e que a colonoscopia pode evitar e prevenir esses números.
NR/HN/LUSA
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