Desconhecimento e preconceito da vitamina D responsáveis pela carência de níveis adequados na população portuguesa

23 de Maio 2021

A carência de vitamina D na população portuguesa é uma realidade que inquieta os especialistas. Neste sentido, e de forma a aumentar o conhecimento e o debate sobre o papel da vitamina D na saúde metabólica, cardiovascular, dermatológica e mental, a Jaba Recordati juntou vários especialistas numa sessão online. A partir de ideais e posições divergentes os especialistas chegaram a um consenso: apesar de Portugal ser um país de sol, os níveis de vitamina D não são adequados e o cenário poderá ser pior devido à pandemia Covid-19.

Moderado pela Jornalista Clara de Sousa, a abertura do evento “Mais preparados para um novo normal” ficou marcado pelo alerta lançado por um dos especialistas convidados. “A carência de vitamina D é bastante prevalente em Portugal”, alertou o reumatologista José Pereira da Silva. Do ponto de vista do reumatologista  esta é uma realidade preocupante, “que justifica que médicos e autoridade de saúde chamem a atenção para os efeitos nefastos [da carência de vitamina D] para a saúde em geral, entre os quais a gravidade em caso de infeção por Covid-19”.

Não é cura para a infeção por Covid-19, mas a vitamina D pode ajudar na prevenção e na redução de complicações. Mas até que ponto os portugueses estão conscientes disto? A Jaba Recordati quis ouvir a população e saiu às ruas do país. Os portugueses foram desafiados a responder a questões relacionadas com os benefícios  da vitamina D na saúde; frequência de análises para medir os níveis séricos de vitamina D; qual a realidade sobre a suplementação e se é feita por indicação médica ou por vontade própria.

Os resultados foram, na generalidade, consensuais. Um deles aponta para que existe ainda algum desconhecimento por parte dos portugueses sobre a importância da vitamina D. Uma realidade que se agravou com a chegada do novo Covid-19.

Questionado sobre o impacto da Covid-19 e as suas consequências nos níveis de vitamina D das populações, o médico de Medicina Geral e Familiar, Diogo Ramos destacou que as medidas impostas durante o confinamento agravaram o cenário da carência de vitamina D. O especialista apontou ainda a diminuição das consultas presencias como um outro fator penoso. “Muitos dos nossos doentes que estavam suplementados acabaram por abandonar as terapêuticas”, admitindo, assim, um longo caminho pela frente.

A esta problemática soma-se o agravamento das doenças cardiovasculares. De acordo com o cardiologista Carlos Aguiar “dados da OCDE indicam que a esperança de vida ao longo do último ano desceu cerca de 0,8 anos em Portugal”. Números que, aos olhos do especialista, “só podem querer dizer que as doenças cardiovasculares pioraram com a crise pandémica “, uma vez que estas doenças “continuam a ser a primeira causa de morte em Portugal e a pandemia não as “destronou”.

Durante a sua intervenção, o cardiologista alertou para o impacto desfavorável que a pandemia causou no progresso conquistado ao longo de mais de duas décadas na área das doenças cardiovasculares. Carlos Aguiar sublinha alguns dos fatores que explicam este retrocesso: o receio dos doentes em procurar cuidados de saúde e os hábitos de alimentação menos saudáveis impulsionados pelo teletrabalho.

Mas em que outras situações os cardiologistas ponderam a suplementação de vitamina D? A resposta do especialista Carlos Aguiar é clara. Em casos de Insuficiência Cardíaca (IC) “os doentes devem ser suplementados”, uma vez que “a correção dos níveis de vitamina D em pessoas que têm IC vai fazer com que o coração tenha mais força na sua contração e fique menos dilatado”, dando mais tempo de vida ao coração.

Uma segunda situação, considerada pelo cardiologista e também pelo médico de família, diz respeito à prevenção de tromboses. “A fibrilhação auricular obriga, na generalidade dos doentes, ao recurso a fármacos hipocoagulantes”, o que aumenta o risco de hemorragias graves. “Nos indivíduos que têm uma razão para fazer hipocoagulantes é importante analisar os níveis de vitamina D e corrigir em caso de estarem baixos”.

A última situação tem a ver com a toma de estatinas. “A correção da deficiência de vitamina D, que é muito mais prevalente em quem tolera mal as estatinas, permite eliminar esses efeitos secundários musculares.”

Entre confinamentos e recolheres obrigatórios, a exposição solar dos portugueses  reduziu de forma significativa ao longo do último ano. Sobre este aspeto Sofia Magina, especialista em dermatologia, debruça-se sobre a importância de preparar a pele numa altura de desconfinamento. “Uma exposição solar saudável deve ser uma exposição gradual. A pele da maioria das pessoas não está preparada e, por isso, é expectável que agora encontremos mais alergias ao sol e mais fotodermatoses”.

A ideia de que a vitamina D é a “vitamina do sol” é desmistificada pela dermatologista. “A ideia de ‘vitamina do sol’ parece que quanto mais sol, maiores são os níveis e vitamina D. Isto não é assim”. “Ao contrário da ideia que as pessoas têm, são pequenas exposições solares que garantem níveis máximos de vitamina D”.

Questionada sobre se existem cuidados excessivos por parte da população no cuidado da pele, Sofia Magina recusa tal ideia. Em contrapartida, esclarece que “se a nossa pele tiver boa capacidade de produzir vitamina D pouca exposição solar chega”. No entanto, reconhece que existe uma grande variabilidade individual na produção de vitamina D. “Há pessoas que mesmo que se exponham ao sol não têm capacidade de produzir vitamina D”.

Para a especialista em dermatologia “é um falso problema achar que o sol é a solução”, uma afirmação contestada pelo reumatologista José Pereira da Silva. “Desconheço a evidência de que a pessoa deixou de produzir mais vitamina D ao fim de alguns minutos de exposição”.

Para o especialista “a dose de exposição cutânea necessária para produzir vitamina D é muitíssimo mais baixa do que a necessária para fazer aumentar o risco de cancro”. No entanto, o reumatologista admite que “uma solução mais universal possa ser a da suplementação”.

A interferência do uso de protetor solar na síntese de vitamina D foi um outro tópico que gerou alguma discórdia entre os especialistas.

Do ponto de vista do reumatologista “se a pessoa estiver exposta ao sol, mesmo durante o verão, durante dez minutos sem protetor solar será produzido cerca de vinte mil unidades de vitamina D e isto não aumenta o risco de cancro da pele”. “Na minha família o que recomendo é que não se coloque proteção solar antes de sair de casa, mas sim quando se estiver na praia”.

Em resposta às opiniões de José Pereira da Silva a especialista em dermatologia destaca que “todos os estudos que foram feitos demonstram que o uso de protetor solar não condiciona a produção de vitamina D”.

“Acho mais perigoso passarmos a mensagem de que fazermos uma exposição não protegida”, conclui.

A nível da psiquiatria, Pedro Silva Carvalho referiu que “o sol é importante” e deu o exemplo do Síndrome do Pôr do Sol, típico dos doentes com demência. “Os doentes com Alzheimer, ao final da tarde, ficam muito agitados e mais negativos”, concretizou.

Uma outra situação em que a ausência de sol afeta a saúde mental dos doentes é a chamada doença afetiva sazonal “que é típica das depressões de inverno”. O psiquiatra revelou que, nestes doentes, os países nórdicos optam pela fototerapia.

Pedro Silva Carvalho revelou ainda que “o sol afeta a serotonina”, a qual se tem revelado como um dos condicionantes para quadros depressivos.  Neste sentido defende que “a falta de sol condiciona as nossas vidas”, sendo, por isso, que a suplementação de vitamina D serve como escudo para o desenvolvimento de quadros depressivos.

“Quando deteto taxas elevada de carência de vitamina D as pessoas acabam por ficar cansadas, abúlicas e apáticas, tornando-se num círculo viciosos que culmina num processo de características depressivas”, conclui.

O debate entre especialistas também foi alargado ao público que, ao longo do webinar, teve a oportunidade de intervir através da colocação de questões. Uma das mais importantes e que mereceu a atenção do painel de oradores esteve relacionada com o doseamento ideal da vitamina D.

O reumatologista José Pereira da Silva explicou que, na sua prática clínica, faz poucas vezes o doseamento. Em contrapartida, faz muitas vezes a suplementação. “A razão para isso é porque posso ter a certeza que o doente tem carência de vitamina D sem a dosear. Outra razão é porque a vitamina D é extraordinariamente segura. É muito difícil intoxicar alguém”. Para o especialista os benefícios da suplementação superam largamente os riscos.

A posição do reumatologista sobre o doseamento da vitamina D é clara. “Não creio que seja indispensável para a esmagadora maioria das pessoas. A lógica da suplementação universal é bastante solida”.

Na mesma linha de pensamento, o médico especialista em Medicina Geral e Familiar, Diogo Ramos, considera que as formulações disponíveis para o suplemento  da vitamina D garantem a segurança dos doentes. “As formulações colecalciferol dão-nos muita segurança no seu uso. Para os nós, médicos de Medicina Geral e Familiar, que temos imensos doentes polimedicados, termos a segurança que temos com um suplemento capaz de ser seguro e igualmente eficaz, faz com que esta opção seja uma primeira escolha para nós”.

O especialista sublinha, ainda, que as formulações de vitamina D não são todas iguais, sendo que a segurança é dada pela fórmula encontrada.

“Em termos de efeitos farmacocinéticos há uma distribuição muito homogénea pelo tecido celular adiposo que faz com que tenhamos esta formulação disponível de forma quase natural. Pelo seu perfil farmacocinético faz com que a queda para os valores de concentração para metade só ocorra ao fim de dois meses, ao contrário de outras formulações que ao final de duas semanas, apesar de terem um pico mais rápido de ação, a sua concentração acaba por cair mais cedo”, garante.

Em termos de eficácia e segurança, Diogo Ramos conclui que “a formulação com colecalciferol, sem dúvida, supera todas as outras formulações que temos disponíveis”.

A lógica de suplementação ao longo da vida foi defendida por José Pereira da Silva, munido de argumentos científicos que demonstram a importância na manutenção da saúde. O especialista discorda completamente de que existem alimentos que conseguem garantir a produção de vitamina D. “O médico que diz isso está errado”, apontou, para logo concluir. “Para o doente conseguir ir buscar a quantidade de vitamina D é preciso comer mais de meio quilo de salmão, que é o peixe mais rico.”

No final da sessão foi trazido a debate o possível preconceito e desconhecimento em relação à suplementação por parte dos médicos. Em resposta, Diogo Ramos admitiu que “existe algum receio em relação à segurança do suplemento”. “Os médicos não suplementam por terem algum receio de criar alguma hipervitaminose”.

Apesar das opiniões divergirem entre os especialistas a posição do painel de oradores foi consensual: a vitamina D tem um papel indiscutível na saúde cardíaca, dermatológica, reumatologia, mental, metabólica, ou seja na saúde global do doente.

Reportagem de Vaishaly Camões

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