Prof. Dr. Sérgio Sampaio diz que especialistas “estão pouco alertados para a relação dos sintomas e a Síndrome de Congestão Pélvica”

05/29/2021
No âmbito do Dia Internacional da Saúde Feminina o Prof. Dr. Sérgio Sampaio, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto admite que existe ainda um baixo nível de consciencialização por parte dos médicos sobre a "relação dos sintomas e a possível existência das varizes pélvicas e da Síndrome de Congestão Pélvica". Apesar de ser pouco falada esta doença afeta cerca de 30% das mulheres após a gravidez. É uma doença que se caracteriza pela presença de varizes na zona pélvica e, em alguns casos, pode ser acompanhada de varizes vulvares. O também especialista em cirurgia vascular defende uma intervenção baseada na idade. No entanto, sublinha que a embolização venosa "é o tratamento standard" para o tratamento das varizes pélvicas. 

HealthNews (HN)- A Síndrome de Congestão Pélvica é uma doença que afeta cerca de 30% das mulheres após a gravidez. Apesar de ser uma doença comum ainda é pouco falada. Como explica o tabu criado à volta desta doença?

Sérgio Sampaio (SS)- É uma situação que leva a sintomas que são de cariz da intimidade das doentes. Estas queixam-se da sensação de peso na região pélvica, dores durante as relações sexuais, dores durante o período menstrual que lhes parecem um pouco desproporcionadas. Em termos de sinais visíveis podem aparecer varizes na área genital… Isto, naturalmente, pode levar a uma retração por parte das doentes, tornando a doença num problema pouco manifestado (mesmo perante os profissionais de saúde).

Por outro lado, os profissionais de saúde (médicos de Medicina Geral e Familiar, ginecologistas e, inclusive, médicos de cirurgia vascular) estão pouco alertados para a relação dos sintomas e a possível existência das varizes pélvicas e da Síndrome de Congestão Pélvica. 

Estes dois fatores, a aturem em conjunto, fazem com quem seja claramente uma situação subdiagnosticada.

HN- As varizes podem ser acompanhadas por varizes vulvares (na face interna da coxa ou inclusive nas nádegas). Estes devem ser considerados sinais de alarme?

SS- Enquanto cirurgião vascular diria que a maioria dos casos que nos chegam são por essa via. Muitas das vezes o que acontece é que a doente até já foi operada às varizes e estas reapareceram, de um modo relativamente precoce, na região vulvar. Ou seja, o aparecimento de varizes em regiões como a parte interna da coxa ou nádegas deve levantar a suspeitar de um ponto de pressão mais alto. O problema não estará exclusivamente nos membros inferiores, mas a fonte de pressão que está a levar ao aparecimento das varizes pode ser mais alta (zona abdominal e pélvica).

HN- Como é feito o diagnóstico?

SS- O diagnóstico tem que juntar imagem e clínica. Por exemplo, não é pelo facto de uma senhora fazer uma ecografia pélvica, uma ecografia transvaginal, fazer um tac ou uma ressonância magnética e serem identificadas varizes pélvicas que implica necessidade de tratamento. Há muitas mulheres que têm varizes pélvicas identificadas aos exames e que não têm qualquer tipo de sintoma ou sinal de alarme. Nestes casos o melhor que se pode fazer é não intervir. Pelo contrário, o médico tem que tranquilizar a pessoa e esclarecer qualquer dúvida.

No entanto, quando há queixas, como aquelas que mencionei há pouco, compatíveis com as imagens das análises temos o diagnóstico da paciente feito.

HN- Sabe-se que o diagnóstico precoce pode fazer toda a diferença no tipo de intervenção. Qual o tratamento feito numa fase inicial e numa fase avançada?

SS- Neste aspeto as opiniões podem dividir-se. Numa perspetiva mais conservadora começa-se por terapêuticas menos invasivas, isto é, terapêuticas farmacológicas. É algo que os colegas da ginecologia estão muito habituados a fazer. A questão é que a evidência científica mostra que mal paramos o tratamento os sintomas reaparecem com a mesma intensidade com que estavam.

Falando apenas na parte sintomática, os medicamentos apenas dão um alivio temporário… A terapêutica farmacológica não vai ter impacto visível nas tais varizes. É por isso, que temos de tomar a nossa decisão em função da idade da doente. Pegando em dois casos extremos, uma mulher com muitos sintomas, na casa dos 20 anos e, portanto, com uma muitos anos de vida fértil faz sentido pensar logo numa terapêutica interventiva. No caso de uma senhora com mais de quarenta anos, em que já é perspetivada a menopausa (que alivia os sintomas) faz mais sentido tentar controlar a situação com medicamentos e, eventualmente, se necessário ponderar a intervenção.

HN- Quais os contributos da embolização venosa?

SS- Eu diria que, hoje em dia, é o tratamento standard para este tipo de situação. Antigamente, fazia-se histerectomia e punha-se a mulher em terapêutica hormonal. A histerectomia tem sido abandonada por ser uma cirurgia muito mais invasivas e com resultados inferiores àqueles que se conseguem através da embolização. No caso da embolização venosa o acesso é feito numa veia da virilha e com cateteres finos navegamos no sistema circulatório e vamos identificando os pontos através dos quais está a acontecer o refluxo. A embolização faz o encerramento dessas vias anómalas que fazem com que o sangue escape em sentido contrário.

HN- Que tipo de cuidados devem ser tidos a seguir a esta intervenção?

SS- Os cuidados são muito poucos. É de esperar um bocadinho de dor durante os primeiros dias, mas esta dor corresponde à inflamação das veias que embolizamos. É algo normal.

No fundo, o que se pede às pessoas é que vivam da forma mais normalmente possível, mas evitando esforços muito violentos e prática desportiva que implique um aumento súbito da pressão abdominal.

HN- Tendo em conta que hoje se assinala o Dia Mundial da Saúde Feminina que mensagem gostaria de deixar?

SS- Uma paciente que sinta este tipo de queixas que falamos inicialmente e que apresente varizes na área vulvar não deve deixar de discutir isso com o seu médico. São sinais que merecem ser discutidos e investigados porque a melhoria da qualidade de vida pode ser significativa.

Entrevista de Vaishaly Camões

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