João Valente Nabais Vice-Presidente da Federação Internacional da Diabetes, Professor Auxiliar da Universidade de Évora, Assessor da Direção da APDP

Viver com uma doença crónica

06/29/2021

Como é viver com uma doença crónica? Imaginem como é viver com dor permanente, com necessidade de se deslocar periodicamente aos serviços de saúde para tratamento, com cuidados alimentares e de toma de medicamentos ou com a necessidade de ter uma atividade física regular e adaptada, só para dar alguns exemplos. Imaginem isso tudo no contexto familiar e laboral. Imaginem isso tudo e serem felizes.

Sim, é possível viver bem com uma doença crónica, pelo menos em parte do tempo, ser feliz, ser produtivo e alcançar os objetivos. Sim, é possível, mas dá um trabalhão do catano!

O impacto das doenças crónicas em todo o Mundo é devastador a diversos níveis, como por exemplo na mortalidade prematura, na economia e na vida diária de milhões de pessoas. Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde estima que as doenças crónicas sejam responsáveis por 71% das mortes ocorridas anualmente, sendo as quatro patologias mais prevalentes as doenças cardiovasculares, o cancro, as doenças respiratórias crónicas e a diabetes. As Nações Unidas reconhecem as doenças crónicas como um dos maiores desafios para o desenvolvimento sustentável. Esta Organização inseriu como um dos objetivos da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável reduzir, até 2030, em um terço a mortalidade prematura devido às doenças crónicas através da prevenção e tratamento (ODS 3.4). O uso de tabaco, a inatividade física, o consumo exagerado de álcool e uma alimentação desequilibrada são fatores de risco para a mortalidade prematura, mas também para o surgimento destas doenças crónicas.

Para saber mais sobre os objectivos de desenvolvimento sustentável consultar www.unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/

Em Portugal, o Instituto Ricardo Jorge publicou, em 2019, o primeiro relatório dos resultados do Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (www.insef.pt/Portugues/Paginas/Inicio.aspx) onde era mostrado que na população residente em Portugal, com idade entre 25 e 74 anos, cerca de 20% dos inquiridos afirmara ter uma doença crónica, 17% referiram ter duas e cerca de 3% mencionaram ter seis patologias crónicas.

Quando se mostram estes números avassaladores é fácil perder o foco no essencial, as pessoas. Cada número representa uma pessoa real a viver diariamente com uma doença crónica! Nunca devemos esquecer isso!

Cada patologia tem as suas dificuldades próprias. O impacto de cada doença e em cada pessoa é diferente mas requer, em todos os casos, que a pessoa tenha que ter uma atenção permanente a alguns aspetos da sua vida diária, que tenha que ter rotinas diferentes, que tenha algumas dificuldades extra na realização de tarefas, que tenha que superar os obstáculos e barreiras que a sociedade e o urbanismo lhe coloca, entre outros.

Viver com uma doença crónica é muitas vezes superar-se para atingir as metas e os objetivos pretendidos e também, por vezes, superar-se até para realizar as tarefas mais simples.

Existem muitos casos de pessoas inspiradoras que mostram, pelo seu exemplo de vida, que viver com determinada doença crónica, ou deficiência, não tem que ser uma limitação. Estes atos de superação são um exemplo a mostrar para motivar outras pessoas com a mesma condição que é possível realizar os seus sonhos. Todos já vimos exemplos destes nos meios de comunicação social, por exemplo no desporto e nas artes.

Mas…..é preciso ter consciência que, por cada caso de sucesso, muitos outros existem de pessoas que não conseguem ultrapassar as limitações, não conseguem aceitar a sua doença e que entram numa espiral de sofrimento físico e mental. Muitos sofrem de discriminação, de incompreensão e de tratamento desigual negativo nos locais de trabalho ou de estudo. Ajudava bastante ter uma sociedade que integrasse verdadeiramente estas pessoas. Ajudava bastante não colocar barreiras e obstáculos de todos os formatos e feitios no caminho, já ajudava não exigir aos doentes crónicos que tenham que mover montanhas e caminhar por infindáveis labirintos de gabinetes para ter acesso aos seus direitos. Em tantos e tantos casos, demasiados, é preciso enviar milhentos requerimentos, emails e falar com diversos responsáveis para ter acesso aos direitos ou garantir de existem formas de continuar produtivo e ativo. Tudo isto é desgastante! Tudo isto sobrecarrega pessoas que já têm a vivência com uma doença crónica!

É necessário ter uma abordagem holística e transversal onde os diversos atores se alinhem e colaborem. É necessário que o foco seja a pessoa e garantir que sejam criadas condições para que viva mais anos com qualidade de vida, que as pessoas sejam tratadas com dignidade, que tenham acesso ao trabalho de forma justa que permita continuarem a ser produtivos e contribuir ativamente nos locais de trabalho e para a sociedade. É necessário que as empresas e os organismos públicos integrem políticas que sejam potenciadoras destas garantias e que sejam flexíveis para acomodar as necessidades dos seus trabalhadores. É necessário que as áreas da Saúde, Agricultura, Educação, Segurança Social e Trabalho se interliguem e deixem de estar a viver em silos separados. Muitas vezes basta fazer pequenos ajustes nas condições de trabalho, como por exemplo, ajustar os horários, permitir pausas regulares, haver equipamentos adequados à pessoa ou permitir o teletrabalho.

Existem imensos bons exemplos de integração, de compreensão e de tratamento adequado. Mas, enquanto houver uma escola que limite o acesso a atividades, que coloque de parte alunos com doença crónica, enquanto houver casos de discriminação ou enquanto houver uma empresas a destratar as pessoas com doenças crónicas cá estaremos para levantar a voz, cá estaremos para ajudar a criar uma sociedade mais justa e igualitária. Cá estaremos, nós as associações de pessoas com doença crónica e todos nós individualmente.

 

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