Cientistas desenvolvem metodologia não invasiva de IRM que poderá permitir níveis sem precedentes de análises das lesões de AVC

2 de Agosto 2021

Uma equipa internacional liderada por cientistas da Champalimaud Research, em Lisboa, desenvolveu uma nova metodologia – Imagem por Tensor de Correlação (ITC) – que poderá constituir uma maneira muito melhor de caracterizar as lesões de AVC a partir das imagens de ressonância magnética de difusão e de prever o desfecho final individualizado nos doentes com AVC isquémico agudo.

Os resultados foram publicados na semana passada na revista científica Magnetic Resonance in Medicine, informou a Fundação Champalimaud no comunicado de imprensa. A ITC foi desenvolvida pela equipa de Noam Shemesh, que reúne os seus colegas Rafael Henriques, do seu laboratório, e Sune Jespersen, da Universidade Aarhus, na Dinamarca.

Os cientistas quiseram estimar o valor real da chamada “curtose da difusão microscópica”, uma propriedade intrínseca “que reflete os microambientes confinados através dos quais as moléculas de água se difundem no cérebro”, explica Noam Shemesh. Todas as abordagens anteriores consideraram que a curtose de difusão microscópica era irrelevante na curtose total nos tecidos neurais – ou seja, essencialmente nula em todo o cérebro. Porém, esta equipa decidiu mapear esta propriedade diretamente, o que significava estender ainda mais a teoria e desenvolver novas maneiras de “captar” a curtose de difusão microscópica.

“Nos últimos quatro anos, tínhamos desenvolvido essa metodologia totalmente nova chamada Imagem por Tensor de Correlação, que nos fornecia uma maneira de medir diretamente a curtose de difusão microscópica”, diz Noam Shemesh.

“A matemática envolvida era muito mais sofisticada e avançada do que as metodologias de IRM anteriores”, segundo Rafael Henriques, primeiro autor do novo estudo. “E ainda por cima, o número de medições necessárias requeria um tipo de exame de ressonância magnética de difusão completamente novo, adaptado à medição das propriedades necessárias para desemaranhar as fontes de curtose”, acrescenta.

Os cientistas puseram a nova metodologia à prova para determinar se a curtose microscópica era ou não um fator importante na IRMd (imagem por ressonância magnética de difusão). A equipa aplicou a Imagem por Tensor de Correlação, in vivo, a ratos, e os resultados, refere Noam Shemesh, foram completamente inesperados e vieram acompanhados de uma mais-valia imediata para os doentes com AVC.

Ao contrário do que esperavam, os cientistas descobriram que esse componente intrínseco, a curtose de difusão microscópica, não era negligenciável, tendo um efeito importante na interpretação dos resultados de ressonância magnética.

“Isso significa que grande parte da informação inferida no passado sobre a microestrutura do tecido cerebral está enviesada” e, “nalguns casos, até pode estar completamente errada”, enfatiza Noam Shemesh. Além disso, “a curtose microscópica revelou ser uma fonte dominante de contrastes relevantes (nas imagens), especialmente nos tecidos de matéria cinzenta”.

Estes resultados conduziram logo à etapa seguinte: “aproveitar a nossa metodologia para realçar a curtose de difusão microscópica no AVC”, salienta Noam Shemesh. Para o fazer, ao trio inicial juntaram-se Rita Alves, também do laboratório de Noam Shemesh e estudante do International Neuroscience and Physiology Doctoral Programme, que liderou esta parte da investigação, e outros colegas da Fundação Champalimaud e do University College London. Este segundo estudo foi feito em ratinhos com AVC.

Mais uma vez, os resultados, que já foram submetidos para publicação, foram muito surpreendentes e promissores em termos da caracterização das lesões de AVC. “Por incrível que pareça”, afirma Noam Shemesh, “a curtose de difusão microscópica representa o contraste mais forte (nos exames de ressonância magnética) para o AVC no cérebro. De todas as nossas medições, foi a melhor. E a seguir descobrimos que as medições da curtose de difusão microscópica refletem provavelmente a quantidade de grânulos microscópicos que se formam nas dendritas e nos axónios dos neurónios (em inglês, neurite beading), e de edema no tecido cerebral”. Estes dois acontecimentos são específicos do AVC isquémico agudo, e a sua quantificação poderia ajudar a determinar o verdadeiro estado do tecido, sendo relevante para prever o desfecho do AVC, segundo o investigador. “Portanto, o nosso trabalho é o primeiro a mostrar que conseguimos obter uma boa ‘assinatura’ para eventos específicos no AVC.”

“Esperamos ter encontrado uma melhor forma de caracterizar os AVC in vivo no ser humano”, continua. Para o demonstrar, os cientistas precisam agora de confirmar a qualidade deste novo contraste nas imagens de ressonância magnética de doentes humanos. O trabalho, que envolve implementar a metodologia de Imagem por Tensor de Correlação em máquinas de ressonância magnética de uso clínico, já está em curso em colaboração com um laboratório em Itália. Segundo Noam Shemesh, “os resultados também têm sido impressionantes”.

No que respeita aos dois estudos em animais, Noam Shemesh conclui: “Os nossos resultados são extremamente entusiasmantes. E nem sequer tínhamos previsto este desfecho; foi realmente um achado fortuito”.

PR/HN/RA

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