Alguns hospitais não garantem medicação para três meses aos doentes com VIH

13 de Agosto 2021

Algumas unidades de saúde não estão a garantir medicação suficiente para três meses aos doentes com VIH/sida, como estabelece a lei, confirmou a Lusa junto de hospitais, organizações e utentes.

Algumas unidades de saúde não estão a garantir medicação suficiente para três meses aos doentes com VIH/sida, como estabelece a lei, confirmou a Lusa junto de hospitais, organizações e utentes.

A denúncia partiu de uma utente e foi depois confirmada junto de três organizações no terreno: apesar de a lei fixar que “a terapêutica antirretrovírica é dispensada para um período mínimo de 90 dias, salvo indicação clínica em contrário”, na prática isso não está a acontecer em algumas unidades de saúde, situação que os médicos e ativistas com quem a Lusa falou dizem que não é de agora e já acontecia antes da pandemia.

Questionados pela Lusa, dois hospitais confirmaram que não estão a garantir medicação para três meses.

Em resposta à Lusa, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) – que acompanha o maior número de doentes com VIH do país, cerca de 5.900 – começou por frisar que “sempre que possível, em função das disponibilidades de stock, a dispensa de medicamentos antirretrovíricos é efetuada para um período de três meses”.

Porém, admite, “nas circunstâncias em que a disponibilidade de stock não o permite, é efetuada a dispensa para um período inferior”.

Com base no conhecimento do terreno, Luís Mendão, presidente do Grupo de Ativistas em Tratamentos – GAT, disse à Lusa que o CHULC (que integra, entre outros, os hospitais Curry Cabral, São José e Capuchos) “nunca deu” medicação para o período estabelecido na lei.

O CHULC sublinha que tenta “salvaguardar (sempre) que não ocorrem interrupções de fornecimento a nenhum utente” e recorda que dispensa “terapêutica antirretrovírica a partir de quatro das suas farmácias, para além de assegurar a entrega de medicamentos em proximidade, nas farmácias comunitárias da área de residência”.

O objetivo da lei adotada em 2015 foi exatamente garantir “um seguimento adequado da resposta ao tratamento” e impedir “o recurso a consultas médicas desnecessárias ou a deslocações clinicamente injustificadas às instituições hospitalares”.

O Despacho n.º 13447-B/2015, de 18 de novembro, diz ainda que as situações em que o médico que acompanha o doente decida que a medicação não deve ser dispensada para 90 dias “terão de ser excecionais, devendo o hospital, nos casos em que tal situação ocorra por motivos imputáveis ao Serviço Nacional de Saúde e após concordância do doente, assegurar a colocação da medicação no endereço disponibilizado pelo utente”.

Também o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) confirmou à Lusa que “a maioria” dos 1.957 utentes com VIH que acompanha recebe “medicação para dois meses” e que apenas “nalguns casos identificados” a medicação é disponibilizada para três meses.

“O CHUA tem a funcionar o programa de proximidade de entrega de medicamentos, o qual prevê que o doente possa receber a medicação na sua farmácia de proximidade ou mesmo no próprio domicílio”, reporta a unidade.

Já o Hospital Garcia de Orta (HGO) – que Luís Mendão referenciou à Lusa como uma das unidades que alegadamente não cumpriria o que a lei estabelece – garantiu que “está a assegurar medicação aos doentes com VIH/sida para três meses e, em alguns casos, até seis meses”, por exemplo a “doentes emigrados a trabalhar no estrangeiro”.

O HGO (situado em Almada) – que acompanha cerca de 2.000 pessoas com VIH – garante que não há “interrupção terapêutica em nenhum dos doentes” e acrescenta que “promove a entrega em proximidade (farmácia comunitária ou domicilio)” para “doentes com dificuldade de acesso ao hospital”.

Esta situação de não conformidade com a lei foi confirmada por mais duas organizações no terreno (para além do GAT): a Liga Portuguesa Contra a Sida e a Abraço.

“Temos um doente ou outro que nos relata isso. Nessa altura, tentamos mediar imediatamente com o hospital, nomeadamente percebendo se é pontual e se se vai resolver sem colocar em causa o tratamento”, relata Cristina Sousa, presidente da associação Abraço.

Eugénia Saraiva, presidente da Liga Portuguesa Contra a Sida, reporta que já receberam chamadas de utentes sobre a questão da medicação.

“Para não existirem ruturas, há determinadas farmácias hospitalares que diminuíram de três para um mês”, relata. “É aborrecido para os que têm de se dirigir ao hospital”, reconhece, adiantando que a Liga tem feito entregas aos utentes.

“Tem havido, mas sempre houve, reestruturações a nível de medicação, mas não temos queixas sobre ruturas e a medicação tem sido assegurada”, destaca.

Reconhecendo que a lei não está a ser cumprida, Eugénia Saraiva sublinha que, ainda assim, “nenhum doente ficou sem medicação”.

Contactada pela Lusa, Isabel Aldir, que até há pouco liderava a estratégia nacional para o VIH/sida, confirmou ter informações de que essas situações aconteceram “pontualmente no passado”. Porém, a realidade no hospital onde trabalha, o Egas Moniz (Lisboa), “não tem sido essa”, assinalou.

A médica infeciologista considera a situação “preocupante, na medida em que [a medicação para três meses] é um garante”.

Isto porque, explicita, ao contrário de outras doenças, em que a pessoa que não faz a medicação se prejudica sobretudo a si própria, “no caso do VIH uma pessoa que não faça a medicação corretamente está a prejudicar indiretamente a sociedade, porque, ao não ter a medicação controlada, pode transmitir a doença”.

LUSA/HN

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