“Para além do problema da violência doméstica, que é um problema gravíssimo, seja em que país for, há um problema acrescido porque nós lidamos acima de tudo com imigrantes recém-chegados indocumentados”, disse João Corga, ‘advocate’ (defensor e conselheiro) de vítimas na organização Massachusetts Alliance of Portuguese Speakers (MAPS), que presta serviços sociais às comunidades portuguesas, brasileiras e cabo-verdianas concentradas no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos.
“A grande maioria das nossas clientes e dos nossos clientes são indocumentados, portanto têm um medo terrível à polícia, um medo terrível ao ICE” (Immigration and Customs Enforcement – autoridade de Imigração e Alfândegas nos EUA), explicou João Corga.
Na qualidade de imigrantes recentes nos EUA, as pessoas “têm poucos amigos, têm vergonha até de falar [sobre violência doméstica] com os poucos amigos que têm, (…) não sabem a língua, não sabem como é que o sistema funciona, não sabem ao que têm direito ou ao que não têm direito”, acrescentou ainda o português.
Antigo oficial de justiça em Portugal, João Corga, que emigrou para os EUA em 2017, disse que cabe à organização MAPS “trabalhar” com as vítimas, “sossegá-las” e oferecer várias formas de apoio e proteção, desde abrigo, ajuda médica, contactos com a polícia ou reencaminhamento para serviços legais que as protejam contra os agressores.
Apesar de a Aliança de Falantes de Português em Massachusetts ter vários “canais de publicidade” dos serviços e formas para chegar às vítimas de violência doméstica ou abuso sexual – como ações de conscientização nas comunidades, internet e pelo “word of mouth” (‘passa-palavra’) dos emigrantes -, o apoio só pode ser prestado quando o pedido e o primeiro passo partem da pessoa afetada.
A confidencialidade, uma máxima do trabalho social que é levada “extremamente a sério” na MAPS, continua a ser protegida quando as vítimas decidem levar os casos à polícia e tribunais, pelo intermédio de “Victim Witness Advocates” (Defensores de Vítimas e Testemunhas).
Apesar de a MAPS não ter advogados, a organização oferece assistência e apoio linguístico e logístico para as vítimas poderem recorrer a outras agências nos Estados Unidos, como a Northeast Legal Aid, que oferece serviços jurídicos gratuitos.
João Corga adiantou ainda que, a nível de imigração, os indocumentados recebem apoio para pedir às autoridades americanas o visto U, para vítimas de atividades criminosas, com a “possibilidade de ganharem estatuto legal no país através do crime de que foram vítimas”.
O português falou à Lusa no mês da prevenção da violência doméstica, simbolizado pela cor roxa, uma iniciativa de nível nacional nos Estados Unidos.
No final de 2020, o diretor executivo da MAPS, Paulo Pinto, disse à Lusa que a comunidade lusófona de Massachusetts registou um aumento de quase 60% nos casos de violência doméstica no espaço de um ano, relacionado com a pandemia de Covid-19.
“Tivemos uma subida bastante marcante no nosso programa de violência doméstica e abuso sexual. Durante o mês de abril [de 2020] registámos um aumento de 58% do número de casos, em comparação com o mês de abril de 2019”, afirmou Paulo Pinto.
Segundo um relatório de dezembro enviado pelo diretor da MAPS à agência Lusa, a organização de serviços sociais apoiou 556 vítimas de violência doméstica ou abuso sexual no ano fiscal de 2020, um aumento em relação ao período anterior, quando foram ajudados 435 sobreviventes.
Das mais de 500 pessoas que sofreram de violência doméstica ou abuso sexual e foram encaminhadas para os serviços da MAPS, 360 pessoas eram brasileiras, 90 cabo-verdianas, 40 portuguesas e 66 pessoas de outras nacionalidades.
Uma organização de 51 anos, a MAPS atua junto das comunidades de língua portuguesa nos Estados Unidos, com programas de prevenção, testagem e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, saúde mental, apoio à imigração nos EUA, apoios à terceira idade, ou de acompanhamento e proteção de sobreviventes de violência doméstica ou abuso sexual.
LUSA/HN
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