‘Startup’ do Porto testa potencial de biomaterial animal no tratamento da dor lombar

25 de Outubro 2021

Uma ‘startup’ criada por investigadores do Porto pretende, através de um biomaterial de origem animal, que representa um desperdício nos matadouros, tratar a doença degenerativa do disco intervertebral que provoca a dor lombar

Em declarações à agência Lusa, Joana Caldeira (na imagem), investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), afirmou hoje que a dor lombar “afeta cerca de 80% da população” e é a principal causa de “anos vividos com incapacidade”.

“A dor lombar está à frente de outras doenças como o cancro do pulmão e até acidentes rodoviários em termos de anos vividos com a incapacidade da doença. Isso leva-nos a outro problema que se prende com os gastos, que são um peso enorme para a sociedade e para o sistema de saúde, não só ao nível do tratamento, mas também ao nível do absentismo laboral”, observou.

Em Portugal, 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) corresponde a custos associados à dor lombar, revelou Joana Caldeira.

Cientes destes problemas, os investigadores do INEB/i3S debruçaram-se sobre a “raiz do problema” e procuraram novas soluções e estratégias para mitigar a doença degenerativa do disco intervertebral, com vista a “regenerar o tecido e torná-lo novamente funcional”, algo que “os atuais tratamentos não conseguem fazer”.

Através de um biomaterial, proveniente de material fecal de bovino que em matadouros seria incinerado, os investigadores procuraram compreender a matriz extracelular, à qual as células são muito sensíveis.

“As células são muito sensíveis ao seu ambiente, que é esta matriz extracelular, e poderão ser corrigidas, modeladas e manipuladas se este ambiente for mais favorável. O nosso primeiro objetivo foi tentar perceber quais eram as alterações destas paredes da matriz durante o envelhecimento”, esclareceu.

Resultado dessa investigação, que viria a ser publicada em 2017, foram descobertas “moléculas exclusivas” desses microambientes e algumas proteínas exclusivas de diferentes estádios.

“Há moléculas que desaparecem com a idade e o envelhecimento que são muito importantes para a regeneração e só existem nessas fases iniciais”, afirmou, acrescentando que, a partir dessas “moléculas exclusivas”, a equipa de investigadores começou a trabalhar em estratégias para desenvolver novas terapias e soluções.

Segundo Joana Caldeira, o biomaterial fecal tem essas “propriedades únicas” e está a ser explorado como terapia, até porque “há uma grande semelhança entre as proteínas que existem em bovinos e em humanos”.

“Neste momento, estamos com uma patente internacional pendente”, afirmou.

A investigação e descoberta dos potenciais do biomaterial culminou na criação há cerca de um ano de uma ‘startup’, intitulada FETALIX, que tem também como principal foco a criação de valor a partir de um material que seria “lixo no matadouro”.

Neste momento, os investigadores aguardam financiamento para poderem avançar com os testes de validação animal em laboratório, sendo que o biomaterial tem potencial na mitigação da dor lombar tanto em humanos, como em raças de cães.

“O impacto maior será nos humanos e esse é o nosso último objetivo, mas há imensos pacientes caninos com dor lombar e também não há nenhuma solução para eles. Poderia ser uma forma de testar o mercado, fazer a validação animal e depois alavancar o passo seguinte que seria a passagem para o humano. Enquanto a validação para o humano não é feita, conseguimos manter a sustentabilidade do negócio, chegando ao mercado veterinário”, acrescentou.

A prevalência da degeneração do disco intervertebral em cães representa cerca de 2%, ainda que algumas raças apresentem maior suscetibilidade como os beagles, salsichas e pastores alemães.

O projeto e a ‘startup’ liderada por Joana Caldeira foi o vencedor do Amyris Innovation BIG Impact Award, um concurso de inovação em biotecnologia organizado pela Associação de Antigos Alunos da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa (ESB-UCP), no Porto, em parceria com a ESB e a Amyris Bio Products Portugal.

Nesta que foi a 1.ª edição, foram avaliadas mais de 40 candidaturas a nível nacional e internacional, sendo que o projeto liderado por Joana Caldeira recebeu um prémio no valor de sete mil euros.

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