Sonho de ser piloto aviador deu lugar ao do primeiro médico formado em Cabo Verde

7 de Novembro 2021

Com apenas 6 anos Adélito sonhava ser piloto de avião, mas os livros de medicina do irmão levaram-no a seguir outro caminho, que concluiu ontem, ao receber o diploma de médico formado em Cabo Verde.

Juntamente com outros 14 colegas, Adélito Frederico, de 24 anos, integra o grupo dos primeiros médicos formados pela Universidade de Cabo Verde (UniCV), num percurso iniciado em 2015.

“Hoje [ontem] é um dia fenomenal. Desde o primeiro dia em que entramos no curso já imaginava esta cerimónia”, desabafou à Lusa, orgulhoso, de ramo de flores na mão, o agora médico, natural do concelho de Santa Cruz, ilha de Santiago.

A UniCV realizou ontem à tarde, no ‘campus’ da Praia, a cerimónia de imposição de fitas aos primeiros médicos formados no país, numa parceria com a Universidade de Coimbra que começou com 25 estudantes. Desse grupo, 17 terminaram a formação, dos quais 15 receberam ontem os diplomas, como os primeiros médicos formados por uma instituição cabo-verdiana.

“Em pequeno que gostava de aviação, queria ser piloto. Com as quedas dos aviões mudei e vi a carreira médica com potencial”, recordou Adélito.

A carreira médica acabou então por ser impulsionada indiretamente pelo irmão, que estudava medicina em Cuba: “Quando regressava deixava os livros e eu folheava-os. Despertou-me o interesse”.

Já de diploma na mão, garante que vai ficar a trabalhar em Cabo Verde. Antes, quer concluir a especialização em cirurgia pediátrica, mas para já o dia é de festa e multiplicam-se as fotografias, com o traje de finalista, juntamente com a família.

Emoções partilhadas pelos colegas que chegaram ontem ao fim do mesmo percurso.

“Não sei se consigo colocar em palavras o que estou a sentir porque é uma mistura de emoções e de sentimentos. Só de pensar que é a primeira turma de médicos a ser formada em Cabo Verde já pesa aquela responsabilidade. Toda a sociedade está de olhos em nós”, confessou Maria Moreno, 24 anos, natural da Praia e que integra o mesmo grupo.

Maria Moreno garante que a responsabilidade e a “pressão” de serem os primeiros, num país com défice de médicos, começou no primeiro dia: “Mas foi justamente por isso que nós estudamos, para atender à nossa comunidade, para satisfazer as necessidades do nosso povo”.

A Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra foi parceira desta primeira edição do Mestrado Integrado em Medicina da Universidade de Cabo Verde, recebendo durante dois anos estes alunos e fazendo deslocar docentes à Praia.

Os estudantes fizeram os primeiros três anos em Cabo Verde, o 4.º e 5.º anos em Coimbra e o 6.º novamente no arquipélago.

“Estive dois anos seguidos em Coimbra, sem vir cá, em férias ou com a família. […] Mas em Coimbra tive excelentes colegas”, recorda Adélito, que ontem concluiu uma caminhada de seis anos de estudos num grupo que abriu o caminho aos restantes.

“Dos momentos mais difíceis foi sobretudo o primeiro ano, porque foi o ano da transição para o ensino superior e o facto de ser um curso-piloto. Não estávamos habituados com a carga horária, os temas e a demanda do curso. O primeiro ano foi mesmo difícil”, reconheceu.

Contudo, não esconde a emoção deste dia: “Representa uma enorme responsabilidade. Há algumas semanas eu era estagiário e de repente já sou médico. A bata branca representa um peso enorme, para o meu nome e para a responsabilidade que tenho para o povo cabo-verdiano”.

Também Maria Moreno confessou que o facto de ter sido a primeira “turma de médicos” tornou o processo mais difícil no início. “Sendo a primeira turma tivemos dificuldades, principalmente de materiais, em termos de experiência, porque não tivemos seniores para nos orientar. Tivemos que fazer o nosso percurso sozinhos”, contou.

Em Coimbra, tal como os restantes colegas, ficou dois anos sem regressar a Cabo Verde ou ver a família, para seguir o sonho de médica.

“Mas adaptação e o acolhimento foram ótimos, desde o primeiro dia. Conseguimo-nos adaptar em relação ao clima, principalmente”, brincou, assumindo que o tempo passado em Coimbra foi também “uma experiência incrível”.

Agora, Maria já prevê fazer uma especialidade em medicina geral e familiar.

“Porque está mais próxima à comunidade, ao indivíduo em si, e não somente a doença. Essa área cativou-me muito”, explicou.

A festa feita ontem pelos finalistas também foi feita por Antonieta Martins, coordenadora do grupo disciplinar deste mestrado, assumindo-se realizada pelo feito concretizado por um arquipélago com menos de 500 mil habitantes.

“Cabo Verde está realmente de parabéns, porque é um marco importante. […] Para o cabo-verdiano comum, o curso de medicina não é um curso qualquer”, admitiu.

“As pessoas vão ter esse sentimento que nós já demos provas, já conseguimos valer alguma coisa”, acrescentou a docente da UniCV.

Com seis anos de duração total, o mestrado é feito dois anos na Faculdade de Medicina de Coimbra, mas a responsável admite que há condições e meios humanos para garantir toda a formação na Praia, mantendo o apoio técnico português.

“Eu trabalhei estes seis anos, eu vi como nós evoluímos e a capacidade que nós tivemos de nos adaptar às adversidades, e à pressão e exigência da Universidade de Coimbra, nossa parceira. Acho que sim, se houver uma vontade para investir rapidamente nessa estratégia”, rematou.

Este curso arrancou com 25 alunos – 20 cabo-verdianos e cinco dos restantes países africanos de língua portuguesa -, selecionados num universo de mais de 100 candidaturas e era exigida uma média de 17 valores.

Na altura do seu lançamento, a reitora da universidade cabo-verdiana, Judite Nascimento, salientou a importância da área da saúde no país e afirmou que o curso é o primeiro passo para criar uma faculdade de medicina no país.

Criado com o apoio do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o curso tem ainda como parceiros o Hospital Agostinho Neto, na Praia, e a Ordem dos Médicos de Cabo Verde.

LUSA/HN

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