Este congresso foi organizado com o objetivo de “criar um espaço de partilha de conhecimentos e de experiências sobre a dor crónica, motivando, assim, as pessoas que vivem com este problema de saúde, de forma direta ou indireta, a lidar com os seus vários desafios”, de acordo com o comunicado de imprensa.
Para tal, o evento reuniu médicos e especialistas na área da dor, e foram abordados vários temas, como “O papel do Cérebro na Dor Crónica”; “Adesão Terapêutica – Da prescrição farmacoterapêutica ao comportamento de adesão”; “Dor Crónica – Qual o Papel dos Canabinoides?”; “Dor Crónica após o Covid” e “Desafios de hoje, Esperanças de amanhã”.
“Com este evento pretendíamos partilhar conhecimentos e aconselhar as pessoas que lidam diariamente com os desafios da Dor Crónica, por forma a melhorar a sua qualidade de vida. É importante informar, motivar e encorajar as pessoas a que façam exercício físico, que mantenham uma vida social ativa, que não se isolem e que realizem as suas tarefas diárias”, disse Lúcia Pinto, presidente da direção da Associação FORÇA3P, citada no comunicado.
Isaura Tavares, professora e investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), começou por explicar que, contrariamente à dor aguda, “que tem um papel de proteção do organismo, a dor crónica, além de não ter qualquer função biológica, causa ‘grande sofrimento’ ao doente. O cérebro controla a dor inibindo-a ou aumentando-a. É uma mistura de sensações físicas, estados emotivos e processos cognitivos”.
Segundo a investigadora, o “controlo ou não da dor crónica vai depender de vários aspetos, sobretudo relacionados com as vivências, experiências e medos de cada pessoa, assim como de todo o estado afetivo. O cérebro pode aumentar a dor se estamos mais ansiosos ou deprimidos. Existem algumas técnicas para ajudar o doente (o cérebro) a lidar com a dor, que passam por viver momentos empáticos e relaxantes, fazer meditação e apostar no envolvimento social”.
Relativamente à “Adesão terapêutica – Da prescrição farmacoterapêutica ao comportamento de adesão”, Rute Sampaio, psicóloga e investigadora do Departamento de Biologia Experimental da FMUP, esclareceu que existe um “papel ativo que a pessoa deve ter na manutenção da sua saúde”. “A verdade é que 76 por cento das pessoas com dor crónica tomam medicação. Mas em 40 por cento dos casos não há adesão. É preciso perceber quais são os fatores que levam à não adesão em cada um dos doentes, por forma a conseguirmos reverter esta situação”, acrescentou.
“O tratamento da dor crónica é frequentemente multifatorial. Requer uma combinação complexa de métodos terapêuticos que, tal como em qualquer outra condição crónica, não tem como objetivo a cura, mas sim um auxílio. Implica um compromisso por parte do doente, família ou outro significativo, exigindo uma partilha de significados acerca do tratamento e na tomada de decisão”, realçou Rute Sampaio.
Já Soraia Tomás, presidente da direção da Associação Portuguesa de Informação sobre Canábis, membro do Conselho Científico do Observatório Português da Canábis Medicinal e enfermeira na Unidade Multidisciplinar Spine Center, em Coimbra, apresentou o tema “Dor crónica: qual o papel dos canabinoides”, desmistificando uma questão que “ainda gera muita controvérsia”. A enfermeira falou sobre a história da canábis e explicou que “a planta tem vários componentes que interagem com o nosso sistema endógeno – que implica na regulação de várias funções, como o humor, o apetite, a reprodução, a libido, regulação neuronal, o equilíbrio, a imunidade, entre outros”.
“Os canabinoides ou componentes da planta mais estudados são o THC e o CBD. O THC é reconhecido, em contexto clínico, pelas suas propriedades analgésicas, mas também anti-inflamatórias, neuroprotetoras, anti-espásticas, antieméticas, de estimulação do apetite e antitumorais. Mas, também, pelo seu efeito psicotrópico, que sob prescrição e acompanhamento médico adequado se revela crucial para melhorar a qualidade de vida de alguns pacientes”, explanou a enfermeira. E prosseguiu: “O CBD é uma molécula sem efeitos psicotrópicos. Tem vindo a revelar-se de extrema importância, sobretudo no controlo das convulsões associadas à epilepsia. Além disso, o seu potencial ansiolítico, analgésico, antitumoral, anti-inflamatório, antipsicótico e neuroprotetor, aliado à sua reduzida toxicidade, fazem deste canabinoide uma ferramenta valiosa no controlo de diversas patologias”.
Além disso, segundo Soraia Tomás, é “ainda bastante eficaz na atenuação do efeito psicotrópico do THC, sendo uma ferramenta bastante valiosa” quando se pretende “atingir doses muito elevadas de THC em contexto clínico, sem que o doente sinta o desconforto associado a esse efeito”. A enfermeira alertou ainda para o facto de os medicamentos, as preparações e substâncias à base da planta da canábis para fins medicinais serem sujeitos a receita médica obrigatória e de venda exclusiva em farmácia. Desta forma, “todos os doentes devem procurar aconselhamento junto do médico, estando completamente desaconselhada a aquisição de produtos que não estejam devidamente regulamentados”, frisou.
Cláudia Jantarada, interna de formação específica de Anestesiologia no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, não pôde estar presente na reunião, mas fez questão de preparar previamente a sua apresentação sobre “A dor após a Covid-19”. A jovem médica abordou a dor crónica e as suas características, mas focou-se sobretudo nas consequências da pandemia de Covid-19 a nível de cuidados de saúde e acesso a estes. Cláudia Jantarada falou ainda da necessidade de reorganização das unidades de dor.
“O isolamento social imposto durante a pandemia criou consequências maiores nos doentes com dor crónica, tanto no que respeita à intensidade da sua dor, como aos outros fatores associados”, relatou Cláudia Jantarada, acrescentando que “a confusão e o receio do vírus fizeram com que os doentes evitassem deslocações aos hospitais, com medo de contrair infeção”.
Por seu lado, Rui Carneiro, especialista em Medicina Interna, com competência em Medicina Paliativa e pós-graduação em dor, e responsável pela equipa de acompanhamento, suporte e paliação do Hospital da Luz Arrábida, expôs os “Desafios de hoje, esperança de amanhã”, deixando uma mensagem de esperança.
O médico começou por falar da dor crónica e das suas características, destacando que este problema é responsável por muitas alterações e limitações laborais, sociais e familiares, e que afeta um em cada três doentes. “Estas pessoas têm problemas na realização das suas atividades quotidianas, assim como de mobilidade, problemas com cuidado pessoal, ansiedade, depressão, entre outros. É preciso criar uma sinergia e uma articulação entre médico e doente para controlar a dor e para manter a qualidade de vida e o bem-estar do doente”, referiu.
Lúcia Pinto encerrou o congresso apresentando a FORÇA3P e os seus objetivos, bem como algumas estratégias que podem ajudar quem mais precisa. A associação disponibiliza um livro de dicas para doentes, profissionais e cuidadores.
Mais informações aqui.
PR/HN/Rita Antunes
0 Comments