Metade das famílias apoiadas pela Cáritas na pandemia nunca tinha pedido ajuda

12 de Novembro 2021

Metade das famílias apoiadas pela Cáritas na pandemia pediram ajuda pela primeira vez, para pagar a renda, a água ou a luz, e isso demonstrou a necessidade de um plano de resiliência para responder a outra crise.

Entre o dia 01 de maio de 2020 e o dia 01 de outubro de 2021, a Cáritas apoiou 18.097 pessoas, o que representa 6.610 famílias, sendo que quase metade destas (3.042) pediram ajuda pela primeira vez.

Em entrevista à agência Lusa, a presidente da Cáritas destacou o facto de 50% das famílias apoiadas por esta organização da Igreja Católica nunca terem pedido ajuda antes e trazerem pedidos “completamente diferentes”.

“Estamos a falar de pedidos para rendas de casa, água, luz, na primeira fase em que estávamos todos confinados até a internet passou a ser uma primeira prioridade. Os miúdos para estudar precisavam de ter internet e as famílias não tinham condições para ter esse acesso”, lembrou Rita Valadas.

Prestes a completar um ano à frente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas apontou que estas famílias não eram as mesmas que habitualmente recorriam às Cáritas em busca de ajuda e que isso foi a evidência de como era preciso criar um programa de apoio diferente.

Tal como explicou à Lusa, foi criado um apoio “a duas mãos”, havendo, por um lado, um apoio financeiro para situações como as que a presidente da Cáritas descreveu e, por outro lado, os ‘vouchers’ alimentares.

Segundo Rita Valadas, os ‘vouchers’ demonstraram ser muito importantes em dois tipos de situações: “uma quando é preciso uma dieta especial” que os alimentos dos cabazes não garantem, e para os casos de famílias vítimas da pobreza conjuntural, que, sublinhou, “muitas vezes entravam pela porta de quem doa e que de repente se veem na necessidade de elas próprias serem apoiadas”.

Criado em abril de 2020 para atuar durante apenas uns meses, o programa “Inverter a curva da pobreza em Portugal” acabou prolongado até ao final do ano e ainda está em vigor, tendo sido aplicados quase 443 mil euros no apoio às mais de 18 mil pessoas.

Só através do apoio de emergência a Cáritas ajudou 3.603 pessoas (1.486 famílias) com 230.408 euros, tendo também ajudado 14.494 pessoas através de vales de bens essenciais no valor total de 212.010 euros.

Os dados da Cáritas demonstram que as principais razões para o pedido de apoio financeiro tiveram a ver com situações de desemprego, baixa média ou endividamento, mas também casos de salários ou pensões insuficientes para fazer face às despesas do agregado familiar.

Em 62% dos casos as famílias pediram ajuda para pagar a renda da casa, 15% para fazer face a despesas de saúde, mas também para pagar as contas da luz (13%), água (5%), gás (2%) ou telecomunicações (1%).

Para Rita Valadas, o programa “Inverter a curva da pobreza em Portugal” trouxe “várias lições”, a primeira das quais que a Cáritas precisa de um “programa de resiliência” que possa fazer face rapidamente a outra crise.

“Já em 2008 nos tínhamos tido de posicionar rapidamente para dar resposta e agora aconteceu a mesma coisa, porque as famílias que recorrem na situação destas crises não são iguais às que costumam estar no nosso radar, são completamente diferentes e serão atípicas consoante a crise que se colocar”, explicou.

Já o Estado “tem outro tempo”, referiu a responsável, e as medidas criadas pelo Estado, apesar de estruturantes, acabam por ser transversais à criação da almofada de apoio, mas são mais lentas e “na primeira fase foi só o setor solidário que deu resposta”.

Rita Valadas acredita que o país vai ter “desigualdades aprofundadas” e adiantou que não há, para já, uma diminuição no número de pedidos de ajuda que chegam às 20 Cáritas diocesanas, apontando como possível explicação o facto de o fim dos ‘layoff’ e das moratórias ser “muito recente” e as consequências não serem instantâneas.

Com a crise económica a juntar-se à crise pandémica, a presidente da Cáritas defendeu que se pensem medidas à escala europeia e admitiu ter alguns receios em relação ao futuro.

Por um lado, que o fim dos ‘layoff’ não permita às empresas fazer a sua retoma e, por outro, que a crise internacional ainda comprometa mais essa recuperação, o que levaria a que mais pessoas acabassem no desemprego.

“É a seguir ao fim do subsídio de desemprego que as coisas se podem ou não afundar porque se não houver retoma económica suficiente, mesmo estas pessoas que caírem num desemprego não vão conseguir encontrar emprego alternativo e por isso as minhas fichas de temores estão todas nesse tabuleiro”, afirmou.

Rita Valadas defendeu que é preciso saber ler a realidade para lá dos números e sublinhou que a “crise social é muito mais difícil de ler, é muito rápida a acontecer e leva muito mais tempo a desaparecer”.

LUSA/HN

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