Segundo o Relatório Mundial da Malária 2021, hoje divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença matou 627 mil pessoas em 2020, mais 69 mil do que no ano anterior, e quase dois terços das mortes adicionais são atribuídas às perturbações provocadas pela pandemia de Covid-19.
No entanto, o relatório conclui que o pior cenário, que apontava para uma duplicação da mortalidade por malária em 2020, não se concretizou.
“Isso são relativamente boas notícias. Ou seja, são péssimas no sentido de que não estamos a baixar os números. (…) Mas depois de um período como foi o da covid-19, obviamente os cenários eram piores do que isto”, disse a diretora executiva do Intituto de Medicina Molecular (IMM), Maria Mota, em entrevista por telefone à agência Lusa.
Recordando que após uma forte redução da incidência e da mortalidade por malária entre 2000 e 2015 a situação estagnou e que quando a pandemia chegou “já havia uma certa preocupação da comunidade”, a especialista considerou que os resultados do relatório agora publicado podem ser vistos “como algo positivo”,
No entanto, sublinhou que são necessárias novas ferramentas para ultrapassar este retrocesso.
A OMS recomendou em outubro a extensão da utilização da vacina RTS,S contra a malária utilizada no Gana, Maláui e Quénia, desde 2019 ao abrigo de um projeto piloto, tendo sido administradas 2,3 milhões de vacinas e 800 mil crianças recebido pelo menos uma dose.
Após esta “maravilhosa novidade”, Maria Mota alertou que “uma coisa é ser recomendada, outra coisa é haver no terreno a capacidade de o fazer”.
“Se num país como o nosso, que tem um Serviço Nacional de Saúde (…) vemos as dificuldades que houve iniciais para ter uma atividade vacinal que fosse sistemática, bem dirigida, obviamente em regiões mais pobres, em que estes sistemas não estão no lugar, isso torna se tudo bastante mais complicado”, disse, explicando que a logística não é fácil por se tratar de uma vacina com várias doses.
Apesar de a vacina ter uma eficácia de apenas 30%, Maria Mota disse ser “um enorme entusiasmo ver que há progressos”, acrescentando ser “mais progresso ainda” o anúncio, feito em abril pela Universidade de Oxford, de que uma outra vacina – embora num ensaio clínico com apenas 400 crianças – mostrou uma eficácia superior a 70%.
“Se estes 70% se confirmarem [no novo ensaio clínico] com muito mais crianças, será algo incrível”, disse.
A vacina de Oxford está agora a ser testada em 4.800 crianças em quatro países africanos – Burkina Faso, Mali Quénia e Tancânia -, para verificar se a elevada eficácia se mantém, mas Maria Mota admite que o ensaio clínico demore pelo menos um ano a produzir resultados.
Mostrando-se “extremamente positiva” com os avanços da comunidade científica que estuda a malária, a especialista diz que uma equipa do próprio IMM, chefiada pelo investigador Miguel Prudêncio, está a desenvolver uma vacina de segunda geração para malária.
“Seja esta sejam outras vacinas espalhadas pelo mundo, com certeza vamos progredir”, antecipou.
Questionada sobre por que motivo ainda não há vacina para a malária, uma doença com milénios, quando em meses se descobriu a vacina para a Covid-19, Maria Mota disse haver um conjunto de causas.
Por um lado, a Covid-19 é provocada por um vírus e a malária por um parasita, “um organismo extremamente complexo” que tem “muito mais mecanismos de fugir ao sistema”.
Por outro lado, lembrou, quando o mundo dedicou “todos os recursos que existiam” para um mesmo problema, “obviamente arranja uma solução muito rapidamente”.
Sobre a possibilidade de erradicar a malária, Maria Mota disse que o mundo está “mais perto do fim” do alguma vez esteve, mas ainda é cedo para se considerar essa possibilidade.
“Tem que haver vontade. Portanto é preciso haver recursos para desenvolver as ferramentas – que no caso da malária são muito mais complicadas (…), mas acima de tudo também temos que ter a noção de que é preciso haver vontade para que depois essas ferramentas cheguem às populações”, disse a cientista.
A malária é uma doença provocada por um parasita transmitido pela picada de um mosquito e mata centenas de milhares de pessoas no mundo, sobretudo em África e maioritariamente crianças com menos de 5 anos.
LUSA/HN
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