Para o professor e cardiologista, é necessário repensar não só o Serviço Nacional de Saúde, mas todo o sistema nacional de saúde como um todo.
“Não devemos apenas restringirmo-nos ao Serviço Nacional de Saúde, que é muito importante, obviamente, e representa uma fatia significativa, mas temos que o ver como um todo”, incluindo o sistema público, privado e social, afirmou em entrevista à agência Lusa.
No fundo, é cumprir “o desígnio constitucional” de as pessoas terem acesso aos cuidados de saúde e à promoção da saúde, disse, defendendo que o Estado “tem a obrigação de cumprir esse desígnio”, usando todos os recursos que tem à sua disposição.
“Agora é o momento para, independentemente das cores políticas, de, sobretudo quem tem responsabilidades de governação e responsabilidades políticas, pensar que a saúde é, não só um bem essencial, é um direito humano, e é algo que deve ser visto de uma forma desprendida de ideologia e desprendida de aspetos políticos”, salientou.
Questionado se os profissionais de saúde estão em exaustão devido à pressão a que têm estado sujeitos, Fausto Pintou afirmou que são treinados para isso e que estão habituados “a situações extremas”.
“Às vezes o que nos custa mais é o não reconhecimento daquilo que é feito e às vezes até alguma forma de tratamento menos adequado”, lamentou.
Contudo, frisou, “há limites” e quando “há uma pressão muito grande em sistemas que já em si são frágeis isso depois tem consequências”.
Por isso, defendeu, a saúde deve ser pensada de “uma forma eficaz” para permitir encontrar soluções para as populações terem acesso a “um sistema de saúde o mais moderno, o mais ágil, o mais inovador possível.
“Isso só é possível se houver um acordo de regime para que se tomem medidas, algumas, se calhar, não são as mais populares, mas para termos o nosso sistema de saúde ao serviço da população tal como outros sistemas de saúde que já existem. Nem é preciso inventar a roda”, declarou.
Um aspeto “muito importante” será a valorização dos profissionais de saúde e a sua fixação às instituições, sejam elas privadas, públicas ou sociais.
Defendeu ainda que, apesar de a saúde ser uma área multidisciplinar, que deve ter “uma boa gestão, bons gestores, bons administradores, boas equipas multidisciplinares”, a organização do sistema de saúde deve ser feita com “uma visão médica”.
“Chamam-nos corporativos quando temos esse tipo de afirmações, mas se eu quiser ter uma opinião médica eu escolho um médico não vou escolher um gestor”, vincou.
Questionado sobre os impactos da pandemia nas outras doenças, afirmou que enquanto não for debelada vai ter sempre um impacto.
“Se eu tenho 1.000 camas para gerir normalmente e de repente tenho 100, 200, 300 ocupadas por uma patologia nova. Obviamente, que isso vai tirar-me 100, 200 ou 300 vagas para tratar os outros doentes”, elucidou.
O presidente da Federação Mundial do Coração destacou o impacto direto da Covid-19 no sistema cardiovascular, um dos mais afetados, o que se traduziu “num aumento de consequências” nestes doentes.
Houve também um “impacto indireto” no início da pandemia em que “muita gente ficou em casa com enfartes, AVC, ou outros tipos de patologia” por medo de ir ao hospital, uma situação observada em todo o mundo.
“Verificámos, e aqui [em Portugal] também, uma quebra para metade do número de enfartes que vinham ao hospital” ou então chegavam muito tarde já numa situação “muito complexa”.
Por outro lado, o contacto, a avaliação e o acompanhamento dos doentes “foi deficiente”, o que também aconteceu a nível global e se refletiu num excesso de mortalidade em 2020, que variou de país para país, podendo oscilar entre os 10 e os 50%.
“Neste momento, contudo, e isto é uma palavra de esperança e otimismo, nós conseguimos nestes últimos meses, falando pela instituição que dirijo, recuperar muito rapidamente a atividade normal”, disse.
Mas nos “próximos meses e anos” vai ser preciso recuperar procedimentos adiados e situações que não foram tão bem acompanhadas, daí falar-se globalmente da necessidade de reforçar os sistemas de saúde.
Fausto Pinto destacou um trabalho da Organização Mundial da Saúde sobre a preparação para a próxima pandemia que passa por tentar prevenir o desenvolvimento e o aparecimento de doenças crónicas.
“Isto porque nesta pandemia o que nós vimos é que quem tinha doenças crónicas, nomeadamente cardiovasculares, foi quem teve mais complicações e quem morreu mais”, vincou.
LUSA/HN
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