Um dá o que não tem…. O outro, o que ninguém quer

27 de Janeiro 2022

Como não poderia deixar de ser, a Medicina Geral e Familiar (Médicos de Família) entrou em força na liturgia da campanha eleitoral. Todos têm opinião formada, cada uma diferente da […]

Como não poderia deixar de ser, a Medicina Geral e Familiar (Médicos de Família) entrou em força na liturgia da campanha eleitoral. Todos têm opinião formada, cada uma diferente da outra, todas fundamentadas em “ciência” tuga, do tipo “acha”. Dois ou três “acham” que sim e alcança-se um consenso que se imprime à pressa no “caderno de encargos”.

Oferecer um especialista em MGF a todos os portugueses que não o têm (neste momento serão cerca de um milhão, é a promessa invariável de uns e outros, formulada de diferentes formas, umas mais acessíveis à compreensão do que outras.

Já assim é desde que comecei, há mais de 30 anos, a escrever sobre o assunto, o que me deixa naturalmente assustado face ao futuro.

Legislatura após legislatura, à promessa de sanar o problema, ficam invariavelmente (mais coisa menos coisa) os cerca de milhão de utentes sem médico de família, que dele urgentemente necessitam. E a promessa por cumprir.

Desta feita, as principais apostas (do PS e do PSD) reproduzem promessas de outras vagas eleitorais que, como todos sabemos, não vieram resolver o problema. Em alguns casos até os vieram agravar.

Nem António Costa nem Rui Rio têm a mais pálida ideia sobre o que estão a falar.

O primeiro oferece o que não tem nem terá no espaço de uma legislatura (Médicos de Família). Já o segundo oferece o que ninguém quer (médicos plenipotenciários, sem especialização).

Com uma agravante, de que até agora ninguém falou. Este ano, de acordo com os últimos cálculos, vão-se reformar cerca de 900 médicos de família, que deixarão de assistir pelo menos mais 1,5 milhões de utentes. Ou seja, seja Costa ou Rio o futuro primeiro-ministro saído das eleições de domingo, o que vingar terá que lidar, não com o milhão de utentes sem médico de família, mas com 2,5 milhões. É obra!

A pergunta que os leitores neste momento estarão a formular é, certamente: por que não há mais médicos de família em Portugal?

Embora complexa, a resposta à questão assenta essencialmente em dois factos: a geração de médicos que a partir de 1975 (e até 1982) criou os centros de saúde muito por força do então obrigatório Serviço Médico à Periferia (SMP), vão-se todos reformar dentro de dois, três anos.

Se bem se lembram o dito SMP foi a estratégia que ajudou a cumprir o objetivo de melhorar os índices em saúde e garantir a generalização do direito à saúde, que é reconhecido na Constituição da República Portuguesa. E garantir, também, que os médicos formados nesses tempos quentes (até 1979) tinham o que fazer, já que não havia vagas nos hospitais que permitissem absorve-los a todos.

O segundo facto é mais melindroso, mas conhecido de todos os indígenas com dois dedos de testa: nenhum jovem no seu perfeito juízo quer ser médico de família em Portugal. Vejam-se os concursos, em boa parte desertos, de tentativa de colocação de novos especialistas. Muitos viram-se para outras especialidades mais atrativas; outros seguem o conselho, ainda bem presente na cabeça de todos, de dar o “salto” e irem ganhar mais do que o Senhor Presidente da República, em países como a Holanda, Alemanha ou Bélgica. Finalmente temos os que preferem ingressar no setor privado, onde a preço de ouro fazem umas consultas ou serviços de urgência. Agora, trabalhar nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), sem condições, com uma carga de trabalho extenuante e miserável remuneração, ninguém (ou apenas poucos) estão para isso.

Por outro lado, quem decide enveredar pela Medicina, não quer ser indiferenciado; sem especialização. Quer uma carreira que lhe permita progredir profissionalmente. Nem os utentes querem médicos assim, habituados que estão ao seu médico de família, que supre as necessidades de toda a família.

Da última vez que se propôs algo assim, deu “asneira da grossa”, com um levantamento profissional e social que fez tremer o Governo de Durão Barroso. Era ministro da Saúde Luís Filipe Pereira.

Pesem os maus exemplos, de um lado e do outro, parece que ninguém aprendeu nada.

Costa oferece o que não tem nem terá tão cedo. Rui Rio, oferece o que ninguém quer. Quantos votos valerá a contradição?

MMM

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