Para o diretor do Observatório da Solidão, as interdições ao toque impostas pela pandemia de Covid-19 acarretam um risco de regressão civilizacional.
“Sobretudo entre os povos do sul, pelo menos aqui na Europa, a proximidade física, o contacto, é muito importante. Há pormenores aos quais damos pouca atenção, achamos que são vulgares, mas a palmada nas costas, o beijo, o tocar na mão ou no braço do outro, os povos do sul procedem assim muito. Já nem falo até nos africanos que também são assim, mas para os povos do norte isso é menos importante”, afirmou em entrevista à agência Lusa Adalberto Dias de Carvalho, doutorado em Filosofia pela Universidade do Porto, onde foi professor catedrático.
“Isto na atual situação faz falta, porque uma das coisas que as pessoas não podem é aproximarem-se demasiado umas das outras”, acrescentou, sublinhando a tendência dos jovens para contornarem as regras: “Eles sabem que estão a transgredir. No fundo, estão a transgredir para terem um procedimento de relação que é normal” [risos].
Segundo Adalberto Dias de Carvalho, especialista em filosofia da educação, quando o normal passa a ser uma transgressão é “muito complicado” e provoca “traumas grandes”.
“E se falarmos então das crianças, que crianças estamos a criar assim, em que a proximidade passa a ser uma transgressão?”, questionou. “O contacto físico até de crianças com os avós, entre eles, com os adultos, passou a ser uma transgressão. Isto é quase uma regressão civilizacional profundíssima”, defendeu o académico.
“Se pensarmos que há uma hierarquia tradicional dos sentidos, que a própria religião influenciou fortemente, sendo que no patamar inferior dos sentidos está precisamente o tato, porque é aquele que a igreja chegou a considerar potencialmente como pecaminoso, mas isso é algo que foi uma das conquistas da cultura contemporânea, foi libertar o tato! Estamos a falar do beijo, do toque, é disso que estamos a falar neste momento aqui”, precisou o investigador.
De acordo com Adalberto Dias de Carvalho, aquilo que foi uma “conquista civilizacional importantíssima” sofreu, com a pandemia, uma “regressão extraordinária”.
“Voltamos séculos atrás. Estou a ser exagerado, se calhar, mas corremos o risco ou começamos a ter alguns referenciais que estão a ser incutidos nas crianças que representam regressão civilizacional muito grande e, se pensarmos nisto, realmente é dramático. E temos de perguntar se é essa a sociedade que queremos realmente construir”, admitiu.
LUSA/HN
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