“Era qualquer coisa que as pessoas não falavam. Podiam falar de depressão, mal estar, enfim, mas não propriamente da solidão. E a solidão, mais do que uma noção, é uma vivência que passou a fazer parte dos sentimentos das pessoas”, afirmou o investigador.
A par do isolamento físico, social ou não, a questão da solidão coloca-se hoje em várias frentes, sobretudo no que tem a ver com o distanciamento em relação aos outros.
“Normalmente o que se sente aqui mais chocante e que não nos surpreende é o distanciamento em relação a familiares e inclusivamente a amigos próximos, em consequência da pandemia”, observou.
O receio de contágio, “a desconfiança” em relação ao outro, pelo potencial de infeção de um vírus cujas causas e consequências são ainda desconhecidas, leva a que os contactos presenciais sejam reduzidos.
“Mesmo que contactem telefonicamente, mesmo que se avistem, mesmo que se encontrem, os cuidados em termos de máscara, de não tocar, de não se aproximar, estão a gerar uma profunda alteração nas relações afetivas”, sustentou Adalberto Dias de Carvalho.
As alterações observadas são consideradas inquietantes pelo investigador, professor catedrático aposentado da Universidade do Porto, que se mantém ligado ao Instituto de Filosofia daquela instituição e que coordena o Observatório da Solidão do ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo.
“As pessoas manifestam ter consciência, ou sentirem, que as suas relações, nomeadamente com os mais próximos, por razões familiares ou de amizade, estão alteradas, estão deterioradas”, relatou.
“Isto provoca um afastamento. A perda de uma proximidade afetiva, em que as pessoas se sentem penalizadas e sentem que isso lhes traz frustração, que lhes traz tristeza. Penso que isso é um dos aspetos mais importantes que o prolongamento da pandemia traz”, admitiu o académico.
De acordo com Adalberto Dias de Carvalho, a perda da esperança ou o risco de se perder a esperança no regresso uma situação de regularidade relacional é um dos aspetos mais marcantes da pandemia nesta fase: “No início, apesar de um isolamento mais forte, havia aquela expectativa de que fosse de curto prazo, depois passava, depois a expectativa das vacinas, que iam resolver tudo. Realmente sabemos que a situação a esse nível está melhor, mas a pandemia continua aí e as pessoas têm receio de que, mesmo que ela venha a diminuir, volte de novo e isso é um aspeto muito importante”.
A par do sentimento de solidão decorrente do prolongamento da pandemia, há também, na opinião do investigador, uma “carência” de informações que transmitam segurança.
“Se houve uma ´crença´ na ciência, esta ´crença´ na ciência esboroa-se de alguma forma, dado o prolongamento da pandemia e dadas as contradições entre os vários interveniente que aparecem frequentemente nos meios de comunicação social a dizer algo de contraditório”, referiu.
Acrescem as diferenças com que os vários países gerem a pandemia.
“Cria descrença na ciência, mas nós até podemos acreditar que todos eles têm razão. Também podem dizer que a ciência não tem certezas à partida, as certezas vão sendo construídas, as verdades vão sendo construídas. Pode dizer-se tudo isso, mas numa altura em que as pessoas estão a padecer e numa época em que a mediatização dos resultados científicos é constante (…), por um lado houve uma aproximação à ciência, mas foi uma aproximação à ciência que está a ser, neste momento, em grande parte, funesta para as pessoas”, declarou o responsável pelo Observatório.
LUSA/HN
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