Próxima pandemia pode surgir da Amazónia

19 de Fevereiro 2022

Investigadoras brasileiras disseram à Lusa que a desflorestação na Amazónia brasileira, com um novo recorde em janeiro, torna cada vez mais possível que a próxima pandemia possa surgir da maior floresta tropical do mundo.

“Não temos como prever, mas se continuarmos a desmatar às taxas atuais, é totalmente plausível que a próxima pandemia venha da Amazónia”, disse Mariana Vale.

Para a professora de ecologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a desflorestação em zonas tropicais “é talvez das maiores fontes de emergência de novas doenças, senão mesmo a maior”.

A desflorestação na Amazónia brasileira disparou em janeiro e bateu um novo recorde, com 430 quilómetros quadrados de vegetação nativa destruídos, um aumento de 419% em relação ao mesmo mês de 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil.

Ainda assim, a Amazónia mantém cerca de 80% da cobertura vegetal original, sublinhou Mariana Vale.

“O potencial está lá, temos um ‘reservatório’ de diferentes vírus em animais selvagens que estão lá a viver, na boa, sem incomodar ninguém”, disse Márcia Castro, que tal como Mariana Vale, participou num estudo, publicado no jornal científico Science Advances, sobre prevenção de pandemias.

Epidemiologistas, economistas, ecologistas e biólogos ligados à conservação da natureza, em 21 instituições nos Estados Unidos, na China, no Brasil, na África do Sul e no Quénia, trabalharam durante quase um ano naquele estudo.

“Mas à medida que começamos a invadir o ambiente deles” aumenta a possibilidade de vírus ainda desconhecidos infetarem seres humanos, sublinhou a especialista em demografia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Especialistas brasileiros já identificaram alguns vírus em animais selvagens, como pássaros e morcegos, que pontualmente infetaram pessoas.

“O que pode acontecer é um evento em que a infeção acontece sem ser notada. Veja o que aconteceu com o vírus do zika, que no começo parecia uma dengue estranha, ou com o covid-19, uma doença que tem manifestações sem sintomas, e se foram espalhando silenciosamente”, lembrou Márcia Castro.

A próxima pandemia “pode ter proporções maiores” do que a covid-19, uma doença “altamente transmissível, mas cuja taxa de letalidade é baixa”, avisou Mariana Vale, que apontou para o caso do ébola, um vírus “altamente letal”.

O aumento da desflorestação na Amazónia, causada principalmente pela mineração ilegal e pelo comércio ilícito de madeira, tem sido atribuído por ambientalistas à flexibilização das medidas de controlo e fiscalização durante o Governo do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que defende a exploração económica da Amazónia e o fim da demarcação de novas reservas indígenas.

“O Brasil é capaz de controlar a desflorestação”, defendeu Mariana Vale, lembrando que, entre 2005 e 2012, o país “reduziu em 70%” a desflorestação graças a políticas públicas que incluíam monitorização por satélite.

“O Brasil está indo novamente em contramão”, lamentou Márcia Castro. “Os modelos de desenvolvimento para a Amazónia são totalmente errados, focam-se na exploração, ignorando por completo a população, as necessidades e o conhecimento locais”, considerou.

Além dos indígenas, “vai sofrer o mundo, porque o que acontece na Amazónia afeta o regime climático muito para além da América do Sul”, avisou a investigadora.

A covid-19 provocou quase seis milhões de mortos em todo o mundo desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.

A doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China.

NR/HN/LUSA

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

APEF e Ordem dos Farmacêuticos apresentam Livro Branco da formação

A Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF) promove a 22 de novembro, em Lisboa, o Fórum do Ensino Farmacêutico. O ponto alto do evento será o lançamento oficial do Livro Branco do Ensino Farmacêutico, um documento estratégico que resulta de um amplo trabalho colaborativo e que traça um novo rumo para a formação na área. O debate reunirá figuras de topo do setor.

Convenções de Medicina Geral e Familiar: APMF prevê fracasso à imagem das USF Tipo C

A Associação Portuguesa de Médicos de Família Independentes considera que as convenções para Medicina Geral e Familiar, cujas condições foram divulgadas pela ACSS, estão condenadas ao insucesso. Num comunicado, a APMF aponta remunerações insuficientes, obrigações excessivas e a replicação do mesmo modelo financeiro que levou ao falhanço das USF Tipo C. A associação alerta que a medida, parte da promessa eleitoral de garantir médico de família a todos os cidadãos até final de 2025, se revelará irrealizável, deixando um milhão e meio de utentes sem a resposta necessária.

II Conferência RALS: Inês Morais Vilaça defende que “os projetos não são nossos” e apela a esforços conjuntos

No segundo dia da II Conferência de Literacia em Saúde, organizada pela Rede Académica de Literacia em Saúde (RALS) em Viana do Castelo, Inês Morais Vilaça, da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, sublinhou a necessidade de unir sinergias e evitar repetições, defendendo que a sustentabilidade dos projetos passa pela sua capacidade de replicação.

Bragança acolhe fórum regional dos Estados Gerais da Bioética organizado pela Ordem dos Farmacêuticos

A Ordem dos Farmacêuticos organiza esta terça-feira, 11 de novembro, em Bragança, um fórum regional no âmbito dos Estados Gerais da Bioética. A sessão, que decorrerá na ESTIG, contará com a presença do Bastonário Helder Mota Filipe e integra um esforço nacional do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida para reforçar o diálogo com a sociedade e os profissionais, recolhendo contributos para uma eventual revisão do seu regime jurídico e refletindo sobre o seu papel no contexto tecnológico e social contemporâneo.

Lucília Nunes na II Conferência da RALS: “A linguagem técnica é uma conspiração contra os leigos”

No II Encontro da Rede Académica de Literacia em Saúde, em Viana do Castelo, Lucília Nunes, do Instituto Politécnico de Setúbal ,questionou as certezas sobre autonomia do doente. “Quem é que disse que as pessoas precisavam de ser mais autónomas?”, provocou, ligando a literacia a uma questão de dignidade humana que ultrapassa a mera adesão a tratamentos

II Conferência RALS: Daniel Gonçalves defende que “o palco pode ser um bom ponto de partida” para a saúde psicológica

No âmbito do II Encontro da Rede Académica de Literacia em Saúde, realizado em Viana do Castelo, foi apresentado o projeto “Dramaticamente: Saúde Psicológica em Cena”. Desenvolvido com uma turma do 6.º ano num território socialmente vulnerável, a iniciativa recorreu ao teatro para promover competências emocionais e de comunicação. Daniel Gonçalves, responsável pela intervenção, partilhou os contornos de um trabalho que, apesar da sua curta duração, revelou potencial para criar espaços seguros de expressão entre os alunos.

RALS 2025: Rita Rodrigues, “Literacia em saúde não se limita a transmitir informação”

Na II Conferência da Rede Académica de Literacia em Saúde (RALS), em Viana do Castelo, Rita Rodrigues partilhou como o projeto IMPEC+ está a transformar espaços académicos. “A literacia em saúde não se limita a transmitir informação”, afirmou a coordenadora do projeto, defendendo uma abordagem que parte das reais necessidades dos estudantes. Da humanização de corredores à criação de casas de banho sem género, o trabalho apresentado no painel “Ambientes Promotores de Literacia em Saúde” mostrou como pequenas mudanças criam ambientes mais inclusivos e capacitantes.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights