Lúcio Meneses de Almeida Presidente do Conselho Nacional de Ecologia e Promoção da Saúde da Ordem dos Médicos Médico Assistente Graduado de Saúde Pública

Equidade vacinal e saúde global: a propósito da covid-19

02/24/2022

A Saúde Global diz respeito aos problemas de saúde comuns à generalidade dos países. Transcende fronteiras administrativas e geográficas e tem nas doenças de transmissão interpessoal a sua manifestação mais significante.

A pandemia de COVID-19/SARS-CoV-2 é um eloquente exemplo de um problema de Saúde Global: afeta a totalidade dos países do Mundo e obriga a esforços concertados a um âmbito transnacional.

O controlo de uma doença de transmissão interpessoal, cursando com imunidade, assenta em tecnologias médicas (vacinas) capazes de prevenir a infeção ou a doença grave associada.

Ao tornar os vacinados resistentes à infeção, a vacinação reduz o “combustível” das epidemias (suscetíveis), pelo que contribuindo para a sua autoextinção. Falamos, então, em proporção crítica vacinal (“imunidade de grupo vacinal”): esta depende do número reprodutivo básico (R0) da doença e da eficácia vacinal inferida através de estudos experimentais.

Sendo as fronteiras meras divisões administrativas, de pouco serve existirem coberturas vacinais elevadas nalguns países, quando os restantes (a maioria) apresentam uma cobertura incipiente…

São, precisamente, os países de menores rendimentos que apresentam maiores oportunidades de transmissão: más condições de higiene; sobrelotação das habitações e restantes espaços interiores; capacidade de saúde pública (vigilância) insuficiente ou virtualmente inexistente; deficiente acesso a meios diagnósticos e terapêuticos… Em síntese, estão reunidos todos os ingredientes para uma “tempestade perfeita”…

Apesar da quinta onda pandémica se encontrar numa fase favorável de evolução (R <1), em Portugal e noutros países do hemisfério Norte, a ameaça pandémica persiste.

A possibilidade da emergência de novas variantes do SARS-CoV-2, de caraterísticas clínico-epidemiológicas impossíveis de prever, é uma realidade. A única forma de a controlar consiste em quebrar cadeias de transmissão; ao fazê-lo, estamos a inibir oportunidades de mutação viral decorrente de infeções sequenciais. Ora, quebrar cadeias de transmissão é sinónimo de vacinar.

A vacinação contra uma doença de transmissão interpessoal apresenta externalidades: não só protege o vacinado como protege aqueles que com ele contactam. E contribui para a imunidade de grupo (“sem rosto”), pressuposto essencial ao seu controlo.

Dados recentemente publicados (Our World in Data, 23/02/2022) indicam que apenas 12% da população dos países com menores rendimentos recebeu 1 ou mais doses de vacina contra a COVID. Em contrapartida, nos países com maiores rendimentos – ou naqueles com uma política vacinal robusta, pelo que necessariamente dotados dos recursos indispensáveis – a cobertura vacinal chega a ser próxima de 100%…

O problema da equidade no acesso dos países à vacina contra a COVID-19 configura, por consequência, uma ameaça à Saúde Global: todos os países estão em risco, inclusive aqueles com coberturas compatíveis com a efetividade vacinal.

Sejamos, pois, “solidariamente egoístas” e priorizemos a vacinação dos países com menores rendimentos. À semelhança da integridade de uma cadeia, não compatível com elos fracos, a proteção da Saúde Global depende da proteção da saúde dos países individuais.

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