“Os clientes tinham voltado a comprar aqui mesmo a sério. Parecia que estávamos noutro mundo ou no passado. Foram mais ou menos seis meses em que o comércio local tomou uma força que nem imagina”, diz à Lusa Arnaldo Guerreiro, o proprietário da “Casa das Bananas”, no bairro do Rego, um “minimercado” que já conta com 60 anos de história, onde se inclui a importação de bananas de África, que maturava, para depois “abastecer toda a Lisboa”.
Depois desses meses iniciais da pandemia de Covid-19, em 2020, os clientes voltaram a preferir “comprar as coisas grandes” nas grandes superfícies e a “Casa das Bananas” voltou a ser para “as pequenas coisas”, diz Arnaldo Guerreiro, que tem outro negócio similar em Benfica onde a situação foi e é “precisamente igual”.
“Começou a cair no último ano, caiu mesmo de vez, deixa-nos a fazer contas à vida”, garante, sem encontrar explicação para a preferência dos clientes pelos supermercados depois de os negócios de bairro terem sido vistos como locais de proximidade e mais seguros pelos consumidores no ‘desembarque’ da Covid-19 em Portugal.
Quem tem uma explicação é Rizur Rahmn, emigrante do Bangladesh e dono de uma “Mercearia Frutaria” em Telheiras há cinco anos: “Depois do primeiro confinamento, toda a gente voltou aos supermercados porque as regras só permitiam duas pessoas em simultâneo dentro do meu espaço. Os clientes tinham de esperar 15 ou 20 minutos na rua e ninguém espera esse tempo lá fora”.
Antes da pandemia e nos primeiros meses da Covid-19, tinha a mercearia “cheia”, mas “agora, está sempre vazia”, garante, num espaço sem clientes a meio de uma tarde de fevereiro.
Há quem junte outras justificações, como Shafiq Islam, 35 anos, oriundo do Bangladesh e com uma mercearia na mesma rua da “Casa das Bananas”, num bairro onde “as pessoas não têm dinheiro”, muitas “ficaram sem trabalho por causa da Covid-19”, e hoje o negócio é mais fraco do que antes de 2020.
Shafiq Islam refere também o teletrabalho, que ainda não terminou nem se sabe se vai terminar, e que fez cair especialmente um negócio que tem do outro lado da rua, um restaurante de “kebab”: antes da pandemia vendia 40 almoços, hoje são “quatro ou cinco”.
Porque, num bairro residencial, o teletrabalho não é sinónimo de mais clientes para o comércio local, acrescenta Arnaldo Guimarães, que dá o exemplo de quem se mudou para casas fora da cidade ou outras regiões do país para aproveitar a possibilidade do trabalho à distância.
O teletrabalho e os escritórios vazios são também a queixa, embora não única, de quem tem mercearias no centro de Lisboa, nas ruas de Santa Marta e de São José, nas imediações da Avenida da Liberdade.
Nesta zona da cidade, os moradores já eram escassos antes da pandemia, depois de a lei do arrendamento de 2012 ter deixado “as casas vazias” para dar lugar a alojamentos para turistas, nas palavras de Carlos Santos, dono de uma mercearia na Rua de Santa Marta.
“Vivíamos mais do turismo”, explica, dizendo que os clientes do Alojamento Local eram também os clientes do seu “Minimercado Garrafeira”.
“Os trabalhadores ainda estão em teletrabalho e o turismo falhou completamente”, sintetiza Carlos Santos, que tem ainda hoje uma quebra de 50% no negócio em relação ao período anterior à Covid-19.
Um pouco mais abaixo, já na Rua de São José, José Manuel Ribeiro, de 78 anos e desde os 16 a trabalhar na “Mercearias e Frutas” de que hoje é dono, também não tem dúvidas de que “enquanto não tornarem a abrir aos turistas, [o negócio] não avança”.
Reconhece que com o primeiro confinamento ainda ganhou “um ou outro cliente”, mas os novos moradores no bairro são “malta nova que embica mais para o supermercado”.
A exceção à regra, na ronda da Lusa por mercearias de Lisboa, está em Telheiras, no “Alfacinha Fresca”, um estabelecimento que anuncia “frutas e legumes” e que vende também cereais, bebidas e bolos, entre outros produtos.
Aqui, a pandemia trouxe novos clientes e que se mantêm até hoje, segundo Graciele Alves, uma das funcionárias da loja: “Antes só fazíamos pequenas entregas a restaurantes aqui perto. A pandemia trouxe mais solicitações, de idosos e pessoas que têm de fazer confinamento. Fazem pedidos por telefone e vamos levar a casa. Esses clientes ficaram fixos, não sentimos perda de clientes”.
LUSA/HN
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