Jovens abandonam Espanha esvaziada sem que políticos resolvam situação

27 de Fevereiro 2022

Os jovens continuam a abandonar as aldeias da Espanha esquecida, sem que os políticos tomem medias para inverter a situação que se agrava, apesar de a pandemia até ter conseguido que alguns regressassem às origens.

A pequena aldeia de Saelices el Chico, na província de Salamanca, não muito longe de Portugal, é um exemplo do que acontece na chamada Espanha vazia ou esvaziada, um fenómeno que também acontece no outro lado da fronteira.

O município chegou a ter 700 pessoas nos anos 60 do século passado, mas agora conta com apenas 179 habitantes, a maior parte deles reformados.

“Por um lado, estou satisfeito, porque a pandemia levou cinco famílias com jovens a instalarem-se na aldeia, por outro lado, estou muito triste com os políticos das cidades maiores que continuam sem fazer nada para segurar estas pessoas”, disse à agência Lusa o presidente do município de Saelices el Chico, Francisco Bernal.

O autarca é do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), mas defende que isso não importa muito aos habitantes da aldeia e terras em redor, que ligam pouco aos partidos e mais à personalidade da pessoa que preside ao município.

A pandemia de Covid-19 e a possibilidade do teletrabalho, levou cinco famílias a regressarem à aldeia, o que trouxe algumas crianças ao município que tem um único estabelecimento comercial, um pequeno café que apenas existe porque a autarquia forneceu o local para se instalar.

De resto, há comércios ambulantes que vêm à aldeia em dias predeterminados e que servem também as autarquias adjacentes.

“O grande problema é a falta de emprego e de oportunidades para os jovens, que preferem ir para a capital da comarca, Cidade Rodrigo, para a capital da província, Salamanca, ou mesmo para Madrid”, afirmou Francisco Bernal, que não tem dúvida sobre o regresso à cidade dos que a pandemia trouxe para a aldeia, se não for feito nada para os “agarrar”.

O autarca garante que “o que tem de ser feito está identificado, mas os anos passam e não acontece nada”, como por exemplo, melhorar as condições de acesso e a velocidade da internet, melhorar a rede de telemóveis ou as condições de acesso à saúde.

Para o autarca, até pode haver ajudas e subsídios para apoiar a construção de infraestruturas, mas como não há recursos humanos para ajudar a elaborar a tempo os pedidos de subsídios, os concelhos de maior dimensão acabam por ficar com tudo e concentrar todas as ajudas que também deviam chegar aos municípios de menor dimensão.

A burocracia para tratar de questões como a transmissão de bens entre pais e filhos é outro dos entraves à fixação de jovens que o presidente da câmara de Saelices el Chico fez questão em referir.

Francisco Bernal indicou casos de jovens que pretendiam dedicar-se ao setor da agricultura, retomando as herdades dos pais, mas que, face aos impostos e taxas que tinham de pagar, desistiram e resolveram mudar-se para a cidade, “onde a vida é menos complicada e mais confortável”.

“Muitas vezes as pessoas não precisam de subsídios ou de ajuda económica, mas sim de ter facilidades, como menos burocracia, para se instalarem”, explicou o presidente do município.

Para o autarca, outro dos problemas é que as pessoas de uma determinada família política acabam por se ajudar umas às outras em detrimento de quem não é conhecido ou desejado nas capitais administrativas.

O novo movimento da Espanha Esvaziada (contra a desertificação) não elegeu ninguém nas últimas regionais na província de Salamanca, em 13 de fevereiro último, mas o autarca também não acredita muito que venham algum dia a fazer grande diferença, visto que os partidos tradicionais já há vários anos que identificaram os problemas que deviam ser resolvidos para apoiar a Espanha esvaziada.

Francisco Bernal assegura que tem ideias e projetos para desenvolver o município, como a construção de uma casa de repouso para reformados, mas não está seguro sobre se vai conseguir o financiamento necessário.

A história de Saelices el Chico também está ligada à da empresa pública ENUSA (Empresa Nacional de Urânio S.A.), que explorou minas no município de 1979 até 2000, e chegou a empregar cerca de 400 pessoas.

“Na realidade só deram emprego a 20 pessoas da aldeia, porque a maior parte da mão de obra veio de fora”, queixou-se o presidente da câmara.

A técnica do município, Irene Garcia, trabalha a meio tempo para a autarquia e o resto da semana tem um emprego idêntico no município vizinho.

“Aqui não há trabalho, não há telecomunicações, a internet tem pouca qualidade, o que não facilita a vida aos jovens, que preferem partir”, reforçou Irene Garcia, convencida que “vai ser muito difícil reverter a situação” sem que haja “uma aposta muito forte do Estado central”.

A funcionária lamenta que os políticos que estão nas grandes cidades “não percebam nada da situação nas aldeias” e apenas olhem para o número de votantes destas regiões, “que são muito poucos”.

O padre que antes vivia na aldeia também já se foi embora e agora apenas uma vez por semana, ao domingo, vem um outro de Cidade Rodrigo “para rezar a missa que está cada vez com menos pessoas”.

A passear pelas ruas quase desertas da aldeia, a Lusa cruzou-se com António, que ali nasceu e há 40 anos, ainda criança, migrou com os pais para a comunidade autonómica do País Basco.

António explicou que os pais, agora que já estão reformados, passam cinco meses por ano na casa da família, na aldeia, e que gosta de vir também passar um ou outro fim de semana, mas que, “infelizmente”, nem a mulher nem os filhos o acompanham, provavelmente porque as suas “raízes” estão no País Basco.

“No verão gosto muito de cá vir com os meus pais e se pudesse teletrabalhava a partir de aqui”, assegurou, acrescentando que só não fica mais tempo, porque o resto da família “está noutra”.

O termo Espanha esvaziada, ou vazia, refere-se às regiões de Espanha que sofreram um grande movimento migratório durante o chamado êxodo rural dos anos 50 e 60 do século passado e que segundo vários autores cobrem até 90 % do território do país, no qual se inclui praticamente toda a zona da Raia (fronteiriça a Portugal).

A comunidade autónoma que mais sofre com este fenómeno é provavelmente a de Castela e Leão (fronteira nordeste de Portugal) um território maior do que o português, mas com menos de um quarto da sua população, cerca de 2,4 milhões de habitantes.

LUSA/HN

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