Guerra ameaça precipitar o Sudão numa crise alimentar severa

21 de Março 2022

Quase um em cada dois sudaneses pode vir a passar forme este ano, por efeito da guerra entre Rússia e Ucrânia, os principais exportadores de trigo para o Sudão, alerta David Wright, da organização Save the Children.

No final do ano em curso, alertou o chefe de operações da organização não-governamental em declarações à agência France-Presse, “20 milhões de pessoas estarão em insegurança alimentar” dos 45 milhões de sudaneses. O Sudão é dos países mais pobres do mundo.

Wright chamou a atenção para o facto de “86 a 87% do trigo consumido no país” ser proveniente da Rússia e da Ucrânia, e que a guerra entre os dois países fez com que os preços mundiais do cereal ultrapassassem os recordes estabelecidos em 2008, o que na altura esteve na origem de motins em protestos contra a fome.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), um em cada três sudaneses necessita de ajuda humanitária no país, onde a inflação se aproxima dos 260%, a moeda está em queda livre e o preço do pão aumentou 10 vezes desde o golpe militar de 25 de outubro de 2021, que privou o país do apoio político e económico internacional.

De um dia para o outro, o Estado sudanês perdeu 40% das suas receitas: o Banco Mundial suspendeu dois mil milhões de dólares (1,81 mil milhões de euros) em ajudas e os Estados Unidos 700 milhões de dólares (634,1 milhões de euros).

Pior ainda, Washington, que tinha enviado 300.000 toneladas de trigo em 2021, não enviará as 400.000 toneladas prometidas em 2022.

“A combinação de todos estes acontecimentos” levará à “grave deterioração de uma situação que já não era boa”, afirmou Wright.

Neste contexto, as famílias sudanesas podem vir a “recorrer a más estratégias de sobrevivência” tais como levarem os filhos a abandonar a escola, recorrerem ao trabalho infantil ou forçarem o casamento de raparigas adolescentes.

O Sudão é já um dos países com pior desempenho escolar no mundo árabe, com taxas de matrícula no ensino primário na ordem dos 76%, mas de apenas 28% no secundário, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Mais uma vez, os que mais irão sofrer são os 3,3 milhões de deslocados do país, principalmente na região ocidental de Darfur, assolada por um conflito que se arrasta há décadas, bem como o milhão de refugiados provenientes do vizinho Sudão do Sul, da Etiópia e da Eritreia, também flagelados pela violência, advertiu David Wright.

Há uma semana, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou para “um furacão de fome” em muitos países, referindo-se ao Sudão, em particular.

A guerra na Ucrânia ameaça ainda ter como efeito o redirecionamento este ano da ajuda humanitária para a Europa, onde a ONU estima que 12 milhões de pessoas na Ucrânia precisarão de proteção, assim como outros quatro milhões que fugiram para os países vizinhos.

“Vemos uma maravilhosa solidariedade entre europeus”, assinalou Wright, acrescentando que a sua “preocupação é que muito do dinheiro do sistema humanitário global seja absorvido”.

“Esperamos que não afete os nossos orçamentos, mas pode: podemos ter menos dinheiro investido no Sudão ou noutros lugares, mesmo quando a situação se agrava com a inflação”, concluiu.

A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que causou pelo menos 902 mortos e 1.459 feridos entre a população civil, incluindo mais de 170 crianças, e provocou a fuga de mais de 10 milhões de pessoas, entre as quais mais de 3,3 milhões para os países vizinhos, indicam os mais recentes dados da ONU.

A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.

NR/HN/LUSA

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