A diabetes tipo 2 “é uma doença progressiva”, explicou João Sérgio Neves nas 26 Jornadas Nacionais Patient Care. Nas fases precoces, ainda antes do diagnóstico, “é possível identificar uma fase de pré-diabetes em que os doentes começam por registar um aumento da glicemia pós-prandial”. Segue-se “uma elevação da glicemia em jejum até que, em determinado ponto, os doentes já têm critérios para diagnóstico de diabetes”.
O problema é que até ao momento do diagnóstico “podem passar vários anos” e, com a progressão da doença, “agrava-se a disfunção das células-beta”. Isso significa que, “tendencionalmente, a maioria dos doentes vai ter necessidade de mais terapêuticas, mais combinações de fármacos, mais doses e até, muito deles, terão de fazer injetáveis de insulina”, referiu o especialista do Centro Hospitalar Universitário de São João durante a sua intervenção sobre “Remissão da diabetes tipo 2”.
Eram conhecidos casos esporádicos de remissão em pessoas com doenças graves, tais como neoplasias em fase avançada, aliadas a uma perda de peso muito significativa. Mas eram casos pontuais e “a maioria da literatura ainda se refere à diabetes tipo como sendo uma doença maioritariamente irreversível”.
Os dados das primeiras séries de doentes submetidos a cirurgia bariátrica vieram, no entanto, alterar este paradigma. “Numa série publicada em 1987 em que os doentes apresentavam perdas de peso de aproximadamente 40 a 50% com a realização de bypass gástrico, dos 88 doentes não insulinodependentes antes da cirurgia, somente dois continuavam a ter diabetes após a cirurgia”.
Estes resultados foram de tal modo relevantes que em 2021 procedeu-se à revisão da definição do significado de “remissão da diabetes”. A classificação que obteve consenso é relativamente simples: “o doente tem remissão da diabetes quando atinge uma hemoglobina glicada inferior a 6,5% que persiste pelo menos durante três meses após a cessação da terapêutica anti-hiperglicemiante”.
De acordo com o especialista, existem três tipos de intervenções que têm demonstrado resultados ao nível da remissão da diabetes tipo 2: intervenção no estilo de vida, intervenção farmacológica e cirurgia bariátrica. “Há algo que parece ser transversal a todas estas intervenções: o excesso de peso, a obesidade e a adiposidade visceral”.
“Tendemos a ter uma intervenção muito glicocêntrica, apenas focada na prevenção da hiperglicemia e das complicações”. Mas a realidade é que “quando olhamos para as complicações da diabetes, a obesidade está sempre na base da síndrome metabólica, da pré-diabetes e da diabetes tipo 2”.
Assim, o especialista defende que “a gestão da obesidade deve ser um dos objetivos primários do tratamento da diabetes tipo 2”.
Hoje, os estudos demonstram que a redução de peso conduz a benefícios incrementais nos valores glicémicos e triglicerídicos. “Para podermos esperar a remissão da diabetes tipo 2 na maioria dos doentes, estes devem perder, pelo menos, 15% do peso”.
Neste contexto, o Estudo DIRECT é um dos mais relevantes: durante cinco meses, pessoas diagnosticadas nos últimos seis anos com diabetes tipo 2 e que não estavam a receber insulina, com excesso de peso, entre os 20 e os 65 anos, foram submetidas a uma dieta líquida baixa em calorias. A dieta foi desenvolvida especificamente para provocar uma perda de peso massiva, num período de 2 a 5 meses. Paralelamente, os doentes deixaram de tomar qualquer medicamento para controlar a diabetes e a hipertensão.
No final deste período, em metade dos participantes, a experiência mostrou-se eficaz ao ponto de conseguir reverter a diabetes tipo 2. Os resultados mostraram que 46% dos pacientes que participaram na experiência entraram em remissão um ano depois e 86% dos pacientes que perderam 15 ou mais quilos ficaram com a diabetes tipo 2 em estado remissivo. Em contrapartida, apenas 4% dos doentes do grupo de controlo, que continuaram a receber os tratamentos para a diabetes tipo 2, entraram em remissão.
O estudo, considerado um “verdadeiro momento histórico” pois, até ao momento, a diabetes tipo 2 era vista como uma doença irreversível, assume que, se os doentes controlarem o excesso de peso, conseguem atingir a remissão. A experiência, partilhada no The Lancet, provou que a perda de 10 a 15Kg é suficiente para reverter a doença. Porém, os especialistas alertam que este método de ação é apenas um tratamento contra a diabetes e não uma cura – estima-se que os doentes que recuperem o peso que perderam, possam voltar a sofrer da doença.
Quanto às intervenções farmacológicas, João Sérgio Neves referiu-se particularmente à classe dos agonistas do recetor GLP1, apontando que existem “perspetivas a médio prazo muito animadoras”.
Já no que diz respeito à cirurgia bariátrica, o estudo “Swedish Obese Subjects” (SOS) mostrou que, dez anos depois, os doentes que fizeram banda gástrica perderam cerca de 15% do peso; com sleeve gástrico baixaram cerca de 20% e, por último, com bypass gástrico, entre a 20 a 30%.
No follow-up, ao cabo de dois anos verificou-se que “mais de 75% dos doentes que tinham diabetes antes da cirurgia bariátrica estavam em remissão; ao fim de dez anos eram cerca de 40% e, 15 anos depois, aproximadamente 30%”.
O efeito “vai-se desvanescendo mas é prolongado” e “também depende muito da duração da diabetes”. De acordo com João Sérgio Neves, “nos doentes com diabetes de duração mais recente, os efeitos a longo prazo são muito sustentados, com cerca de 50% dos doentes a manterem-se em remissão após cirurgia bariátrica».
Em conclusão, o endocrinologista afirma que “hoje, está bem estabelecido que se conseguirmos que os doentes percam mais de 15% do peso, há uma probabilidade elevada da remissão de diabetes tipo 2, particularmente nas fases iniciais da doença. Dietas hipocalóricas – cerca de 800 kilocalorias/dia – integradas em programas de intervenção intensiva no estilo de vida, podem reverter a diabetes tipo 2 em fase inicial em mais de 40% dos doentes”.
Quanto à cirugia bariátrica, “entre 30 a 80% dos doentes com diabetes tipo 2, dependendo do tempo de evolução da diabetes e ao fim de quanto tempo foi feita a avaliação, apresentam remissão da doença”.
Por último, “é provável que novos fármacos para o tratamento da diabetes e da obesidade permitam que mais doentes com diabetes tipo 2 possam vir a atingir a remissão da diabetes pós perda de peso significativa”.
Reportagem de Adelaide Oliveira
0 Comments