Corpos nas ruas de Bucha chocam o mundo no segundo mês de guerra

22 de Abril 2022

As imagens de cadáveres em ruas de cidades ucranianas e de valas comuns, levantando suspeitas de crimes de guerra cometidos por forças russas, dominaram o segundo mês do conflito na Ucrânia, iniciado em 24 de fevereiro.

O afundamento do navio-almirante da frota russa do Mar Negro também se destacou nas últimas semanas, em que os combates prosseguiram sem tréguas, com a destruição de muitas cidades, um número de baixas por apurar – mas que será elevado – e mais de cinco milhões de refugiados.

Nem as duras sanções contra o regime do Presidente Vladimir Putin fizeram parar a guerra entre o maior país do mundo (Rússia, com mais de 17 milhões de quilómetros quadrados) e o segundo maior da Europa (Ucrânia, com 603.000 km2).

Principais destaques nos dois meses da guerra na Ucrânia:

“Crimes de guerra”

A retirada das tropas russas da zona de Kiev para o Leste do país pôs a descoberto uma realidade que chocou o mundo no início de abril: imagens de corpos nas ruas de Bucha e de valas comuns.

A Ucrânia acusou as forças invasoras de crimes de guerra e Moscovo disse tratar-se de uma encenação para virar o mundo contra a Rússia, assegurando que “nem um único residente de Bucha sofreu qualquer violência às mãos dos russos”.

A comunidade internacional não poupou nas palavras: “barbárie”, “ataques desprezíveis” ou “assassinatos chocantes e horríveis” foram algumas das expressões usadas sobre Bucha, onde as autoridades ucranianas dizem ter encontrado mais de 400 cadáveres de civis.

Para memória futura e possíveis processos, Kiev divulgou os dados dos 1.600 soldados russos que estiveram em Bucha. Já Putin condecorou os possíveis suspeitos pelo seu “heroísmo, tenacidade, determinação e coragem”.

Em 08 de abril, um ataque com mísseis contra a estação de comboios de Kramatorsk (leste) matou mais de meia centena de civis que tentavam fugir da guerra.

Em Mariupol (sueste), a cidade portuária estratégica que Putin declarou conquistada na quinta-feira, poderá haver mais de 200 valas comuns, onde os ucranianos dizem ter sido enterrados 9.000 civis.

Com as denúncias sobre Bucha (a que se seguiram Borodyanka, Chernihiv, Sumy, Kharkiv, Manhush…), a Rússia foi suspensa do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, está a investigar possíveis crimes.

Numa visita a Bucha, o procurador-chefe do TPI, o britânico Karim Khan, descreveu a Ucrânia como um “cenário de crime”, onde é preciso “atravessar a névoa da guerra para se chegar à verdade”.

Refugiados e deslocados

A guerra levou mais de cinco milhões de pessoas a fugir da Ucrânia, naquela que é considerada a maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1936-1945).

A ONU calcula também que há mais de sete milhões de pessoas deslocadas no país, o que significa que mais de 12 milhões de residentes – ou mais de um quarto da população – tiveram de abandonar as suas casas.

Ainda segundo a ONU, cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.

Guerra de números

Dois meses depois, ninguém sabe quantas pessoas já morreram na guerra.

A ONU confirmou a morte de mais de 2.000 civis, mas tem alertado para a probabilidade de o número ser muito superior.

A Ucrânia disse que sofreu entre 2.500 e 3.000 baixas militares, mas a Rússia contrapôs que matou mais de 23 mil soldados ucranianos.

Já Moscovo admitiu pouco mais de 1.300 mortos, enquanto Kiev disse ter matado mais de 20 mil soldados russos.

A propaganda dos números abrange também o equipamento militar, com as duas partes a divulgarem diariamente listas de armamento que afirmam ter destruído.

Tal como em relação às baixas humanas, não há verificação independente.

“Moscovo” ao fundo

De todas as perdas de equipamento de guerra, a mais mediática e mais simbólica terá sido a do cruzador “Moskva” (“Moscovo”), o navio-almirante da Frota do Mar Negro, em 14 de abril.

Moscovo atribuiu o desastre a um incêndio inexplicável e Kiev reivindicou ter atingido o cruzador com mísseis Neptuno.

Equipado com mísseis que podem alcançar 700 quilómetros, o “Moskva” tinha uma tripulação de 510 efetivos, persistindo dúvidas sobre a sorte dos marinheiros.

A perda do navio não porá em causa a capacidade da marinha russa, mas tem sido vista como um autêntico “tiro no porta-aviões” do orgulho militar da Rússia.

Fase 2 

A Rússia anunciou, esta semana, o início de uma nova fase da sua “operação militar especial”.

Agora, a prioridade é a conquista do Donbass (leste), depois de várias semanas de ataques em muitas outras regiões da Ucrânia, incluindo a capital Kiev.

Moscovo tem dito que a operação decorre como foi planeada, mas há quem veja na “nova fase” a admissão de um recuo perante a resistência ucraniana.

Ao assinalar o 50.º dia da guerra, em 15 de abril, o Presidente Volodymyr Zelensky disse aos ucranianos que deveriam estar orgulhosos por terem sobrevivido tanto tempo, quando os russos lhes deram “um máximo de cinco dias”.

Perigo nuclear

A Ucrânia é o país europeu com mais reatores nucleares: 15, em quatro centrais, embora nem todos estejam atualmente a operar.

Também é o país onde ocorreu o pior desastre nuclear de sempre, em 1986, na central de Chernobil, quando a Ucrânia ainda era uma república soviética.

O reator que explodiu então está encerrado num sarcófago e o complexo situado a norte de Kiev tem depósitos de lixo radioativo.

A Agência Internacional de Energia Atómica está preocupada com as possíveis consequências da guerra nas centrais, como aconteceu com um ataque na de Zaporijia, felizmente sem afetar nenhum dos seis reatores, ou a suspensão temporária da medição de radiação em Chernobil.

Armas nucleares

As armas nucleares são outra preocupação, até porque Putin avisou no primeiro dia que uma intervenção direta do Ocidente no conflito desencadearia “consequências nunca vistas”.

Os Estados Unidos e os seus aliados, como Portugal, têm fornecido armamento e equipamento militar aos ucranianos, mas recusaram sempre um envolvimento direto por receio de uma guerra total.

O novo palco de Zelensky

O antigo ator eleito Presidente em 2019, dez anos depois de se ter estreado no cinema, habituou os ucranianos a uma conversa noturna sobre a guerra, mas também para mostrar, ao país e ao mundo, que continua em Kiev.

A partir da capital, tem participado em reuniões do Conselho de Segurança da ONU, da NATO, do Conselho Europeu, do G7 ou do Banco Mundial, e já falou para mais de 25 parlamentos nacionais, incluindo dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Alemanha, de Israel e do Japão.

Na quinta-feira, foi a vez de se dirigir ao “povo de Portugal” através da Assembleia da República: referiu-se ao 25 de Abril e pediu mais armas, mas também mais apoio diplomático e político para a Ucrânia aderir à União Europeia e junto dos países de língua portuguesa.

NATO com 32 membros?

Se a Rússia pretendia travar a expansão da NATO, a invasão poderá ter o efeito contrário com a possível adesão da vizinha Finlândia e da Suécia.

Os dois países estão a avaliar a questão, que nunca mereceu tanto apoio interno, e espera-se uma decisão a tempo da cimeira da Aliança Atlântica em junho.

A cimeira de Madrid vai discutir o novo conceito estratégico da NATO já no contexto do regresso da guerra à Europa, que também influenciou a nova política de segurança e defesa da UE, aprovada em 25 de março.

Ainda por causa da guerra, o mandato do norueguês Jens Stoltenberg como secretário-geral da NATO foi prorrogado por um ano, até ao final de setembro de 2023.

Negociações com bombardeamento

As negociações entre as duas partes começaram quatro dias depois da invasão, primeiro em sessões presenciais, depois por videoconferência.

Pelo meio, a Turquia acolheu um encontro entre dois chefes da diplomacia russa, Serguei Lavrov, e ucraniana, Dmytro Kuleba.

A Rússia, que nunca suspendeu os bombardeamentos durante as negociações, anunciou, esta semana, a entrega a Kiev de uma proposta de acordo, sem revelar o conteúdo.

Russos e ucranianos também já chegaram várias vezes a acordo sobre troca de prisioneiros e abertura de corredores humanitários para permitir a saída de civis de cidades sitiadas.

Sanções

O Ocidente tem adotado sucessivos pacotes de sanções contra a Rússia e individualmente contra Putin e oligarcas russos, num leque vasto de atividades e áreas, da banca ao desporto.

As sanções incluem o congelamento dos ativos do banco central da Rússia, para o impedir de utilizar quase 584 mil milhões de euros de reservas em moeda estrangeira.

No setor da energia, os EUA estão a proibir as importações russas de petróleo e gás, e o Reino Unido irá eliminar gradualmente a compra de petróleo a Moscovo até ao final deste ano.

A UE, que recebe um quarto do petróleo e 40% do gás da Rússia, anunciou que recorrerá a abastecimentos alternativos para tornar a Europa independente da energia russa antes de 2030.

A Alemanha suspendeu a autorização para a abertura do gasoduto Nord Stream 2 proveniente da Rússia.

Nova crise?

Além de morte, sofrimento e destruição, a guerra provocou já uma subida generalizada de preços a nível mundial, sobretudo devido ao elevado custo da energia.

Criou também o receio de fome em vários países e de uma nova crise económica global, precisamente quando o mundo se preparava para recuperar após os dois anos da pandemia de Covid-19.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Sobrecarga pressiona saúde mental e organismo dos futebolistas

O calendário de jogos cada vez mais preenchido pressiona a saúde mental dos futebolistas de topo a nível mundial, nota uma especialista, mas também provoca alterações químicas no organismo, requerendo atenção redobrada e até alterações na nutrição.

MAIS LIDAS

Share This